Notícia na íntegra
Confira entrevista do prefeito Fernando Haddad ao jornal Valor Econômico
Em entrevista ao jornal Valor Econômico publicada nesta quinta (4), o prefeito Fernando Haddad falou sobre mobilidade urbana, coleta seletiva e iluminação LED como caminho para um futuro diferente para a cidade de São Paulo. Ele também destacou o trabalho da administração no combate à corrupção e no esforço para reequilibrar as contas.
Confira a íntegra abaixo.
"O PT está mais maduro para o reequilíbrio da economia"
À frente da principal prefeitura comandada pelo PT, Fernando Haddad defende o ajuste fiscal sinalizado pelo governo federal para 2015. "Você acaba se voltando para tarefas que, num período de bonança, talvez não estivesse tão preocupado", diz. O prefeito, no entanto, pondera que "é demagógico" achar que só o corte de gastos públicos é suficiente para resolver o problema fiscal. O petista é favorável à redução de impostos sobre consumo e ao aumento dos tributos sobre propriedade, mas vê o futuro do país na agenda 'socioambiental'. Segundo o prefeito, é essa agenda que pode mobilizar setores da classe média que não compactuam com a desigualdade extrema.
Haddad elogiou a indicação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda e de Nelson Barbosa para o Planejamento, apesar de críticas de militantes do PT, de movimentos sociais e de intelectuais. Em entrevista ao Valor PRO, serviço de notícias em tempo real do Valor, o prefeito disse o PT precisa entender que há "momentos em que se tem de tomar medidas para "reequilibrar" a economia.
Haddad disse não se preocupar com eventuais cortes nos investimentos públicos do governo federal. A capital, afirmou, já garantiu a assinatura de contratos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que deve financiar as principais obras de infraestrutura. O prefeito começa a segunda metade de seu governo com o caixa recheado e comemora a recente aprovação da renegociação da dívida de Estados e municípios e a liberação pela Justiça do aumento do IPTU na capital.
A situação financeira mais confortável e a perspectiva de ver os investimentos deslancharem ajudam a explicar o semblante mais descontraído do prefeito. O petista parece não se preocupar nem mesmo com a reação a um provável aumento da tarifa do transporte público. À vontade no cargo, Haddad tem saído mais às ruas. Há menos de dois meses, aproveitou a reinauguração do Clube Tietê para subir no palco e tocar guitarra. No mês passado, grafitou um Pato Donald na Avenida Rebouças. No próximo ano, já se prepara para voltar a dar aula na FFLCH, na USP.
A seguir, trechos da entrevista concedida na manhã de ontem, antes de encontrar-se com a presidente Dilma Rousseff, na capital.
Valor: A posse da nova equipe econômica foi precedida da mudança no indexador da dívida de Estados e municípios e da elevação do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Foi um colchão federativo para o previsível aperto fiscal?
Fernando Haddad : Durante a tramitação da lei complementar que repactuava as dívidas, houve muita desinformação sobre seu real impacto - sobretudo das agências de risco, que estavam muito mal informadas. Chegou-se a falar até em farra fiscal. Não é o caso. Tem impacto de médio e longo prazo, mas o de curto prazo nas contas públicas da União é pequeno. Se compararmos com outra unidade de custo - a questão do setor elétrico, o preço dos combustíveis e as desonerações - a ordem de grandeza é inferior a 10% de qualquer uma dessas três contas. Me reuni reservadamente com 30 economistas da maior respeitabilidade para explicar o PL da dívida.
Valor: Por isso o mercado não se mexeu com a aprovação?
Haddad: Não atribuiria a mim a persuasão, mas eles ficaram muito impactados. Eu e Marcos Cruz [secretário de Finanças] chamamos todos e dissemos: 'Se vocês acham que o país tem problema fiscal, é legítimo, mas não é esse. Esse aqui é um contrato que ficou desequilibrado com a queda acentuada da Selic. Pagávamos o dobro da Selic para a União, que não é banco.
Valor: O senhor acha que essa meta de superávit de 1,2% em 2015 e 2% em 2016 e 2017 é necessária para reequilibrar as contas públicas? Como o senhor cortaria e como aumentaria a receita?
Haddad: Nossos problemas subjetivos são maiores do que os objetivos. Os fundamentos da economia brasileira não parecem tão graves. Se comparar com Estados Unidos e Europa, os fundamentos do Brasil são sólidos em uma série de indicadores importantes além da relação dívida/PIB. Estamos com um problema de expectativas que precisam ser revertidas. Se o empresariado voltar a investir, vamos ter um bom caminho pela frente. Houve retração do investimento privado muito além do que os fundamentos da economia pressupõem. Temos que dialogar com o mercado para que se retome o que os keynesianos chamam de espírito animal do investidor.
Valor: Mas não é a simples presença de Joaquim Levy que vai trazer a confiança de volta. Qual é o dever de casa fiscal?
Haddad: Não foi feito nenhum anúncio formal de cortes, mas sempre há espaço. Vou dar o exemplo de São Paulo. No meu primeiro ano de gestão, tive vários reveses. Tive que aumentar o subsídio da tarifa, houve liminar contra o alinhamento da Planta Genérica de Valores, previsto em lei. Como deixei as contas equilibradas? Cortamos R$ 800 milhões em contratos terceirizados e combatemos a corrupção na máfia do ISS, que gerou R$ 100 milhões. Com isso, juntei quase R$ 1 bilhão, por meio de dois mecanismos que estão à disposição de todo gestor. É possível, sempre, fazer ajuste nos contratos. É que dá muito trabalho. Às vezes um aperto não é ruim, porque você acaba se voltando para tarefas que, num período de bonança, talvez não preocupasse. Contratei três auditorias sobre unidades de custo importantes: folha, transporte e resíduos sólidos. É demagógico dizer que só deve cortar custos. Em geral, tem que operar em várias frentes. Ainda tenho tarefas como a questão dos precatórios que está no Supremo. A cidade 20% dos precatórios do país.
"Mobilidade urbana, coleta seletiva e iluminação com LED vão ajudar a cidade a vislumbrar um futuro diferente"
Valor: A oposição acusa o governo de estelionato eleitoral depois daquela campanha muito pesada dos banqueiros tirando comida da mesa dos brasileiros. Houve excesso do PT na campanha?
Haddad: O perfil de Levy e Nelson Barbosa é muito adequado ao momento, como foi em 2003. É momento de restrição, de operar a sintonia fina do Orçamento, da política fiscal e monetária.
Valor: Como o PT vai defender um governo que faz arrocho fiscal?
Haddad: Já vivemos isso em 2003. Tivemos algumas defecções depois da reforma da Previdência. Perdemos quadros históricos. Não é impossível que isso aconteça, mas acho que é um partido muito mais maduro do que em 2003. O PT sabe que tem momentos em que se tem de tomar medidas para reequilibrar o processo.
Valor: Mas essas medidas de ajuste fiscal e de corte nos gastos públicos podem afetar a capital, sobretudo se houver corte no PAC?
Haddad: Não acredito que os compromissos já firmados vão ser afetados. Não temos nada de supérfluo do PAC: temos o Minha Casa, Minha Vida, mobilidade urbana, drenagem e mananciais. Isso foi negociado ao longo de dois anos. As licitações estão concluídas, as licenças ambientais estão saindo, os canteiros estão sendo montados. Talvez se eu pedir mais, alguém poderá dizer: 'espera alguns meses'. Mas o que foi pactuado está garantido. Montamos um tripé importante: dívida, Plano Diretor - que organiza o investimento privado e público no território - e PAC. Isso dá sustentabilidade de longo prazo para a cidade.
Valor: O país não está conseguindo diminuir a desigualdade, o que parece aumentar a tensão social. Um exemplo claro são os movimentos de moradia. A restrição fiscal não vai dificultar a desconcentração de renda?
Haddad: Temos que colocar a imaginação para funcionar, para continuar o processo de desconcentração da renda. Cumprimos etapas importantes desde a Constituição de 1988. Tem um ciclo de democratização, acesso a serviços públicos, estabilização monetária, programas sociais de envergadura que permitiram uma primeira rodada de desconcentração. Colhemos os frutos disso, não só no que diz respeito à renda, mas também à qualidade de vida, à redução da mortalidade infantil ao acesso à universidade. A gente dá pouco valor a esses avanços.
Valor: Mas sem desconcentração de renda o avanço vai continuar?
Haddad: Estamos numa geração 3.0 de ações, não necessariamente de programas, mas de gastos públicos com a tecnologia da informação, a economia criativa e a sustentabilidade. Aposto numa agenda socioambiental, com mobilidade urbana, coleta seletiva, a troca da iluminação pública por LED. Tem enorme potencial mobilizador de mentes e de corações e a gente está fazendo pouco. Uma coisa simples como a ciclovia teve um impacto incrível no imaginário na cidade. Não é só uma agenda cultural, é econômica.
Valor: Essa é quase uma agenda de terceira via para 2018...
Haddad: Não... (risos) Temos que ressignificar nosso posicionamento ideológico. A gente às vezes fica muito prisioneiro de velhos paradigmas que eu nem descarto porque ainda têm atualidade, mas a gente não percebe a conexão da agenda moderna com a velha agenda. Se quiser combater a desigualdade não necessariamente vai fazer isso pelos mesmos métodos.
Valor: O senhor acha que são políticas que enfrentariam menor resistência na sociedade do que por exemplo a reformulação do sistema tributário mexendo na tributação da renda e da propriedade?
Haddad: A sociedade avança quando abraça projetos que não precisam ser consensuais, mas hegemônicos. Precisamos dialogar com setores avançados da classe média que não compactuam com a desigualdade extrema e podem ajudar muito a promover bem-estar dos de baixo. Querem uma sociedade moderna, mas por um caminho diferente do velho paradigma. A agenda ambiental às vezes esconde um certo acanhamento de não querer colocar o dedo nas feridas que o Brasil tem abertas ainda. Mas uma agenda socioambiental tem como pactuar classes médias antenadas, que viajam e olham o que acontece no mundo. Estou tentando explorar isso em São Paulo porque se der essa liga, vai ajudar a cidade a vislumbrar um futuro diferente.
Valor: Essa agenda passa pelo transporte público. O que pretende fazer para evitar manifestações como as do ano passado, já que a prefeitura estuda aumentar a tarifa?
Haddad: O que o poder público faz neste momento é forçar o diálogo. Somos nós que estamos querendo o diálogo, que está sendo recusado por parte dos interessados. Quando contratamos uma auditoria internacional para abrir as contas do sistema municipal - semana que vem estará pronta e será entregue à sociedade -buscamos diálogo. A questão da mobilidade é importante, mas tem que ter dinheiro para desapropriar terra para o Minha Casa, Minha Vida. A questão da mobilidade é importante no que diz respeito à tarifa, mas também do ponto de vista dos corredores. Se os ônibus não ganharem velocidade, não consigo baratear o custo do sistema.
Valor: O senhor já tem as informações sobre a margem de lucro?
Haddad: Ainda não. É o principal. Essa auditoria está sendo feito com base nas contas de 2012, dois anos depois do estudo da Fipe que ensejou um reequilíbrio em favor das empresas. Agora esta auditoria internacional foi contratada para orientar o próximo edital de concessão. Estou no processo de transição de um modelo para o outro. Vamos ter muita riqueza de dados. As pessoas estão muito curiosas para conhecer o novo, mas ninguém se debruçou sobre o estudo da Fipe, que não é tão velho. Já tem muita informação. Em 2010 esse reequilíbrio não foi nem discutido na sociedade.
Valor: O reajuste da tarifa será inevitável?
Haddad: Vai depender de uma série de fatores. Por exemplo: qual vai ser a política de gratuidade e de subsídio. Depende do cenário. O ano passado estendemos gratuidade para homens com mais de 60 anos. Foi uma liberalidade da administração. Tem ainda o transporte público noturno. Isso tem impacto. Vamos fazer no ano que vem? Qual o custo? De onde vai sair? Em alguns dias vamos responder a essa pergunta porque estarei com estudos fundamentados. O que estamos discutindo se é o usuário ou o contribuinte que vai arcar com os custos do sistema. As pessoas têm uma visão de que a prefeitura produz recurso. Nós alocamos recurso.
"Temos que dialogar com o mercado para que se retome o que keynesianos chamam de espírito animal do investidor"
Valor: O senhor dá ênfase à agenda socioambiental, mas ao mesmo tempo não renuncia ao aumento do IPTU. Essa agenda é uma maneira de dar retorno a essa faixa de contribuintes chamada a participar mais da receita do Estado?
Haddad: Atualização da planta genérica não é decisão que deveria ser discutida. É uma obrigação legal. Todos os prefeitos, que de fato cumpriram o mandato, fizeram. Quero que a Associação Comercial me explique por que não milita a favor da redução do ICMS e milita tanto contra o tributo que custeia o nosso dia a dia na cidade. É dinheiro para manter escola, posto de saúde e limpeza pública. Compara o que se paga com ICMS e o que paga com IPTU. Fui comerciante doze anos na rua 25 de março e o que recolhia de ICMS era 20, 30 vezes mais o que pagava e IPTU. Será que mudou tanto da época que eu estava atrás do balcão?
Valor: Os impostos federais também estão superdimensionados no consumo e subdimensionados na renda e na propriedade?
Haddad: Houve uma rodada de desoneração importante de PIS/ Cofins, mas ainda tem trabalho a ser feito sobre os bens de primeira necessidade. Começaria reforma tributária por aí, vendo onde é que penalizamos a população mais pobre. Mas é cômodo cobrar 25% de ICMS sobre energia elétrica, água e telefonia. O sujeito nem vê que pagou, mas são serviços essenciais. Estou falando de alíquota de 25%. O imposto sobre propriedade é 1% em média em São Paulo.
Valor: O senhor vê espaço para aumentar Imposto de Renda, ITR, e taxar fortunas?
Haddad: A arrecadação de ITR não existe no Brasil. Grandes fortunas está previsto na Constituição de 1988 e não saiu do papel. Imposto de Renda é um debate mais complexo a ser feito. Não dá para mexer em alíquotas de IR sem ver os impostos indiretos que precisam ser modulados, porque o objetivo não é aumentar a arrecadação de impostos, mas buscar a justiça tributária. Vamos sempre pelo lado mais fácil, que estoura no pobre, porque pobre não se mobiliza, não tem informação para isso.
Valor: Essa agenda socioambiental, essas PPPs que o senhor começou com a iluminação, isso exige interação com o setor privado. Como é que essa Operação Lava-Jato vai afetar a relação com os investidores privados? Muitas das empresas envolvidas executam muitos de seus projetos de campanha...
Haddad: Temos uma pluralidade grande de parceiros. O mercado aqui é mais competitivo, com muitas pequenas e médias empreiteiras que não tiveram seu nome envolvido em nada e que estão fazendo grandes obras. Herdamos alguns contratos que estão bem monitorados. Criamos uma controladoria que é uma espécie de secretaria de combate à corrupção e que funciona com plenos poderes.
Valor: A falta de punição não atrapalha isso? Das mais de 900 empresas pegas na máfia do ISS, nenhuma foi punida. O que a prefeitura fará para evitar desvios?
Haddad: O que nos competia, fizemos. Não podia entrar com uma ação criminal porque não tenho competência constitucional para isso. O Ministério Público tem que abrir inquérito e denunciar. Administrativamente estão todos pagando com todas as penalidades previstas, multas e juros. Não damos moleza para ninguém. Quem não paga é autuado, vai para a dívida ativa. Não tem conversa.
Valor: Como o senhor lida com a pressão da construção civil, cuja relação com o poder público foi classificada como promíscua pelo controlador-geral?
Haddad: O exemplo começa pelo chefe do Executivo, com qual tipo de relação quer ter com o setor privado. Tenho a melhor relação do mundo com o setor privado. Deixei a Educação como o ministro que mais expandiu as universidades públicas e particulares com Prouni e Fies. O Brasil é reconhecido por ter os maiores grupos econômicos na educação e não adianta falar que é mérito do empresário, porque sem o pano de fundo institucional não tem quem prospere. O maior grupo econômico de educação do mundo é brasileiro. E na minha gestão nunca ouvi, como se ouvia no passado que um empresário para conseguir autorização de um curso pagou propina.
Valor: A presidente teve índices muito ruins na periferia em antigos redutos petistas. O senhor acha que essa candidatura Marta quer recuperar o voto do PT na periferia? O senhor teme essa candidatura?
Haddad: Sinceramente, 2016 ainda está muito longe para mim e o Brasil precisa ter pelo menos um ano de respiro entre uma eleição e outra. É muito ruim isso de engatar uma eleição na outra. Atrapalha a administração. A vida, pelo menos a minha, não funciona com essas obsessões. A minha obsessão é o lugar que estou, não é onde eu poderia estar. Isso é uma armadilha terrível. O sujeito senta na cadeira e já fica pensando no próximo passo. Daí não faz o que precisa fazer.
Valor: O senhor chega à metade do mandato e a área da saúde continua patinando. Por quê?
Haddad: Saúde é um grande problema. Mas as promessas de campanha estão indo muito bem. Estamos com três hospitais em obras, já entregamos 10 hospitais dia, nove para entregar até março. O problema é a gestão do sistema que é complexa.
Valor: Vai mudar o comando?
Haddad: Lançamos uma reforma da saúde, com plano de carreira para área, com repactuação com OSs. Mas não é fácil melhorar a saúde.
Valor: Pensa em chamar Alexandre Padilha, mesmo que não seja para a Saúde?
Haddad: Estou satisfeito com meu secretário de saúde. Não sei. Primeiro tenho que esperar a Dilma... Pode ser que algum secretário meu vá para Brasília. Ela tem precedência depois vamos ver como é que fica.
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