Secretaria Especial de Comunicação
De Pirapora ao sambódromo, os grandes personagens do nosso samba
Das peregrinações em louvor ao Bom Jesus até os desfiles das escolas paulistanas, a trajetória do samba rural paulista pelas mãos e pelos pés de seus criadores.
por Letícia Delamare
Do Samba de Bumbo, que animava as noites de agosto em Pirapora do Bom Jesus, aos desfiles de fevereiro no Pólo Cultural e Esportivo Grande Otelo, foram muitos os passos, passistas e malandros no caminho do samba paulistano. Localizada na margem esquerda do rio Tietê, a 54 km de São Paulo, a cidade santuário de Pirapora do Bom Jesus sempre es-teve associada às origens do samba paulista. Foi de lá que, trazido pelas mãos – e pelos pés – de personagens como Dionísio Barbosa, Pé Rachado, Pato N’Água, Tia Sinhá, Inocêncio Mulata, Geraldo Filme, Ma-la, Nenê, Hélio Bagunça e Madrinha Eunice, o samba chegou à cidade de São Paulo. A música que se fazia ali tinha muitos nomes: Samba Caipi-ra, Samba Campineiro, Samba de Pirapora, Samba de Terreiro, Samba de Umbigada, Samba Lenço, Samba Paulista; e um de seus primeiros regis-tros foi feito por Mário de Andrade, que o batizou de samba rural paulista, em 1933:
“Reúne-se um grupo de indivíduos, na enorme maioria negros e seus descendentes, pra dançarem o samba. Freqüentemente esse ajuntamento mantém uma noção de coletividade, quero dizer, forma realmente um grupo, um rancho, um cordão, uma associação enfim, cuja entidade é definida pela escolha ou imposição dum chefe, o dono-do-samba. Este chefe é quem toma determinações gerais e manda em todos. Manda sem muita força, obedecido sem muita obrigação. Creio que a sua autorida-de é mais ou menos equiparável à dos tuxauas ameríndios, que só se mantém legítima nas guerras e grandes ocasiões em que periclitarem de qualquer forma, é certo. Mas, à feição da autoridade mais ou menos relaxada dos tuxauas, nenhuma vez pude sentir a autoridade real des-tes donos-dos-sambas”. (Mário de Andrade, “O Samba Rural Paulista”).
Foi ainda no século 17, com a descoberta de uma imagem do Bom Jesus às margens do rio que Pirapora virou local de devoção, especialmente de famílias negras, que para lá se dirigiam, entre os dias 3 e 6 de agosto, para homenagear o santo. Mas foi só a partir da primeira dé-cada do século passado, com a construção, pela Igreja, de barracões para abrigar os romeiros, que o novo ritmo começou a surgir. E entre os “donos-de-samba” que animavam as noites dos peregrinos estava um grupo de homens e mulheres que iriam se transformar nos grandes per-sonagens históricos do samba em São Paulo. Gente como a negra Deolin-da Madre, conhecida entre seus pares como “Madrinha Eunice”, fundado-ra, em 1937, da Lavapés, a primeira escola de samba paulistana, na Baixada do Glicério.
“Era ela quem mandava naquela área. A escola era dela, e ela tinha muita fibra para agüentar”, lembra Alberto Alves da Silva, ele mesmo um freqüentador dos barracões de Pirapora e personagem central da história do samba paulistano, e cujo apelido daria nome a uma das mais tradicionais escolas de samba paulistana, a Nenê de Vila Matil-de. A escola, na verdade, deveria se chamar Unidos do Marapés, mas na hora de registrá-la, em janeiro de 1949, seus fundadores começaram a discutir, até que o funcionário do cartório perguntou a um dos bri-gões quem era aquele negro alto, que gesticulava muito e gingava en-quanto falava: “É o seu Nenê”, responderam os demais. “Então a escola vai se chamar Nenê”, decidiu o homem do cartório.
Eram tempos difíceis para o samba em São Paulo. Sem dinheiro para co-locar suas agremiações na rua, nas vésperas do carnaval “Pé Rachado”, ”Mala” e “Seu Nenê” esqueciam a rivalidade e, liderados pelo “Mula-ta”, iam juntos pedir doações aos comerciantes de tecidos para fazer as fantasias. Afinal, o mineiro Sebastião Eduardo do Amaral, o “Pé Rachado”, primeiro presidente do então Cordão Carnavalesco Vai-Vai; Osvaldo Vilaça, o “Mala”, fundador da Acadêmicos do Tatuapé e “Seu Nenê” eram todos velhos amigos dos tempos das rodas de samba em Pira-pora, onde haviam conhecido também Inocêncio Tobias, o “Mulata”, que costumava acompanhar seu vizinho Dionísio Barbosa, criador do Grupo Carnavalesco Barra Funda, nas romarias de agosto a Pirapora.
Inconformado com a decisão de Barbosa de fechar o Grupo Carnavalesco Barra Funda, em 1939, “Mulata” o recriaria em 1953, batizando-o com o nome de Cordão Camisa Verde e Branco, como a agremiação da Barra Fun-da era chamada pelo povo. Casado com Cacilda Costa, a “Tia Sinhá”, fundadora do Vai-Vai e que por seu amor trocou o Bexiga pelo cordão da Barra Funda, Inocêncio “Mulata” era um hábil praticante da “tiri-rica”, espécie de capoeira paulistana que os trabalhadores do largo da Banana jogavam ao som do Samba de Pirapora.
“Às margens do lendário Tietê / Uma nova cidade surgiu / De toda par-te vinha romaria / Pra festejar o grande dia / E cantar em seu louvor / Pirapora aiê / Pirapora aiê / Bate o bumbo negro / Quero ouvir o boi gemer”, cantaria anos depois Geraldo Filme, lembrando as noites de suas peregrinações, ainda menino, a Pirapora do Bom Jesus. Morto em 1995, aos 67 anos de idade, Filme é considerado ainda hoje o autor dos melhores sambas das escolas da cidade de São Paulo.
O Samba de Bumbo começou a morrer ainda nos anos 50 quando, inconfor-mada com o caráter profano dos festejos, a Igreja decidiu fechar os barracões em que os romeiros ficavam alojados. Sem seu ponto de en-contro anual, os “donos-do-samba” foram se dispersando. Apesar disso, o Samba de Pirapora sobrevive em vários pontos do interior do Estado, mantendo suas características originais, como definidas por Mário de Andrade em 1933:
“Instrumentos sistematicamente de percussão, em que o bumbo domina visivelmente. A sua colocação sempre central na fila dos instrumen-tistas bem como por ser da decisão dele o início de cada dança (além do seu valor financeiro) lhe indicam francamente a primazia entre os instrumentos. Primazia que se estende ao seu tocador”.
Do Samba de Bumbo, que animava as noites de agosto em Pirapora do Bom Jesus, aos desfiles de fevereiro no Pólo Cultural e Esportivo Grande Otelo, foram muitos os passos, passistas e malandros no caminho do samba paulistano. Localizada na margem esquerda do rio Tietê, a 54 km de São Paulo, a cidade santuário de Pirapora do Bom Jesus sempre es-teve associada às origens do samba paulista. Foi de lá que, trazido pelas mãos – e pelos pés – de personagens como Dionísio Barbosa, Pé Rachado, Pato N’Água, Tia Sinhá, Inocêncio Mulata, Geraldo Filme, Ma-la, Nenê, Hélio Bagunça e Madrinha Eunice, o samba chegou à cidade de São Paulo. A música que se fazia ali tinha muitos nomes: Samba Caipi-ra, Samba Campineiro, Samba de Pirapora, Samba de Terreiro, Samba de Umbigada, Samba Lenço, Samba Paulista; e um de seus primeiros regis-tros foi feito por Mário de Andrade, que o batizou de samba rural paulista, em 1933:
“Reúne-se um grupo de indivíduos, na enorme maioria negros e seus descendentes, pra dançarem o samba. Freqüentemente esse ajuntamento mantém uma noção de coletividade, quero dizer, forma realmente um grupo, um rancho, um cordão, uma associação enfim, cuja entidade é definida pela escolha ou imposição dum chefe, o dono-do-samba. Este chefe é quem toma determinações gerais e manda em todos. Manda sem muita força, obedecido sem muita obrigação. Creio que a sua autorida-de é mais ou menos equiparável à dos tuxauas ameríndios, que só se mantém legítima nas guerras e grandes ocasiões em que periclitarem de qualquer forma, é certo. Mas, à feição da autoridade mais ou menos relaxada dos tuxauas, nenhuma vez pude sentir a autoridade real des-tes donos-dos-sambas”. (Mário de Andrade, “O Samba Rural Paulista”).
Foi ainda no século 17, com a descoberta de uma imagem do Bom Jesus às margens do rio que Pirapora virou local de devoção, especialmente de famílias negras, que para lá se dirigiam, entre os dias 3 e 6 de agosto, para homenagear o santo. Mas foi só a partir da primeira dé-cada do século passado, com a construção, pela Igreja, de barracões para abrigar os romeiros, que o novo ritmo começou a surgir. E entre os “donos-de-samba” que animavam as noites dos peregrinos estava um grupo de homens e mulheres que iriam se transformar nos grandes per-sonagens históricos do samba em São Paulo. Gente como a negra Deolin-da Madre, conhecida entre seus pares como “Madrinha Eunice”, fundado-ra, em 1937, da Lavapés, a primeira escola de samba paulistana, na Baixada do Glicério.
“Era ela quem mandava naquela área. A escola era dela, e ela tinha muita fibra para agüentar”, lembra Alberto Alves da Silva, ele mesmo um freqüentador dos barracões de Pirapora e personagem central da história do samba paulistano, e cujo apelido daria nome a uma das mais tradicionais escolas de samba paulistana, a Nenê de Vila Matil-de. A escola, na verdade, deveria se chamar Unidos do Marapés, mas na hora de registrá-la, em janeiro de 1949, seus fundadores começaram a discutir, até que o funcionário do cartório perguntou a um dos bri-gões quem era aquele negro alto, que gesticulava muito e gingava en-quanto falava: “É o seu Nenê”, responderam os demais. “Então a escola vai se chamar Nenê”, decidiu o homem do cartório.
Eram tempos difíceis para o samba em São Paulo. Sem dinheiro para co-locar suas agremiações na rua, nas vésperas do carnaval “Pé Rachado”, ”Mala” e “Seu Nenê” esqueciam a rivalidade e, liderados pelo “Mula-ta”, iam juntos pedir doações aos comerciantes de tecidos para fazer as fantasias. Afinal, o mineiro Sebastião Eduardo do Amaral, o “Pé Rachado”, primeiro presidente do então Cordão Carnavalesco Vai-Vai; Osvaldo Vilaça, o “Mala”, fundador da Acadêmicos do Tatuapé e “Seu Nenê” eram todos velhos amigos dos tempos das rodas de samba em Pira-pora, onde haviam conhecido também Inocêncio Tobias, o “Mulata”, que costumava acompanhar seu vizinho Dionísio Barbosa, criador do Grupo Carnavalesco Barra Funda, nas romarias de agosto a Pirapora.
Inconformado com a decisão de Barbosa de fechar o Grupo Carnavalesco Barra Funda, em 1939, “Mulata” o recriaria em 1953, batizando-o com o nome de Cordão Camisa Verde e Branco, como a agremiação da Barra Fun-da era chamada pelo povo. Casado com Cacilda Costa, a “Tia Sinhá”, fundadora do Vai-Vai e que por seu amor trocou o Bexiga pelo cordão da Barra Funda, Inocêncio “Mulata” era um hábil praticante da “tiri-rica”, espécie de capoeira paulistana que os trabalhadores do largo da Banana jogavam ao som do Samba de Pirapora.
“Às margens do lendário Tietê / Uma nova cidade surgiu / De toda par-te vinha romaria / Pra festejar o grande dia / E cantar em seu louvor / Pirapora aiê / Pirapora aiê / Bate o bumbo negro / Quero ouvir o boi gemer”, cantaria anos depois Geraldo Filme, lembrando as noites de suas peregrinações, ainda menino, a Pirapora do Bom Jesus. Morto em 1995, aos 67 anos de idade, Filme é considerado ainda hoje o autor dos melhores sambas das escolas da cidade de São Paulo.
O Samba de Bumbo começou a morrer ainda nos anos 50 quando, inconfor-mada com o caráter profano dos festejos, a Igreja decidiu fechar os barracões em que os romeiros ficavam alojados. Sem seu ponto de en-contro anual, os “donos-do-samba” foram se dispersando. Apesar disso, o Samba de Pirapora sobrevive em vários pontos do interior do Estado, mantendo suas características originais, como definidas por Mário de Andrade em 1933:
“Instrumentos sistematicamente de percussão, em que o bumbo domina visivelmente. A sua colocação sempre central na fila dos instrumen-tistas bem como por ser da decisão dele o início de cada dança (além do seu valor financeiro) lhe indicam francamente a primazia entre os instrumentos. Primazia que se estende ao seu tocador”.
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