Procuradoria Geral do Município
Aniversário de 16 anos da Lei Maria da Penha
Diplomação das alunas do Curso Defensores e Defensoras do Direito à Cidadania do Instituto Maria da Penha (Fonte: Arquivo Instituto Maria da Penha/IMP)
A Lei n.º 11.340/06, de 7 de agosto de 2006 - mais conhecida como “Lei Maria da Penha” - completou 16 anos no último domingo. Seu nome é uma forma de reparação simbólica à luta de Maria da Penha Fernandes Maia, mulher brasileira, cearense, farmacêutica e bioquímica, vítima de constantes violências - incluindo duas tentativas de feminicídio - por parte de seu ex-marido e omissões por parte do Estado brasileiro.
As agressões marcaram a vida de Maria da Penha, que, ainda paraplégica como resultado de tamanhas violências, resistiu às opressões de um sistema amplo de violências, encorajando-se a denunciar o agressor. Contudo, deparou-se com um cenário repleto de dificuldades em termos de acolhimento e de sensibilidade no tratamento do caso e, em âmbito jurídico, com a ausência de mecanismos legais especializados em tratar de violência contra mulheres.
Na época, as delegacias de mulheres ainda não existiam e as brigas de marido e mulher eram vistas como pertencentes à vida privada do casal: a máxima “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher” operava em senso comum. Ainda, eram atribuídos estigmas às mulheres que ousavam se separar de seus maridos, enquanto assassinos confessos de suas esposas, como Doca Street e Lindomar Castilho, eram absolvidos pela Justiça sob a argumentação de estarem agindo em “legítima defesa da honra”. Tais fatores a impediam de tomar uma ação.
Desesperada e sem saber como agir e reagir diante de todas as violências enfrentas, Maria da Penha decidiu escrever o livro “Sobrevivi, posso contar” (1994; Armazém da Cultura), no qual narra a sua história apontando os pontos falhos da justiça e do processo. Após a publicação, ela foi procurada por grupos de Direitos Humanos e convidada a denunciar o Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA). Signatário de tratados acerca dos direitos das mulheres, o país havia se comprometido a reduzir a impunidade dos agressores, sem, no entanto, cumprir o papel assumido nessas convenções. A denúncia foi recebida pela CIDH/OEA em 20 de agosto de 1998, baseada na competência que lhe conferem os Artigos 44 e 46 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Artigo 12 da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará ou CVM).
A denúncia feita perante a Corte Interamericana teve como fundamento a tolerância da República Federativa do Brasil a todas as violências cometidas por Marco Antônio Heredia Viveiros contra a sua então esposa durante os anos de convivência matrimonial. O Estado brasileiro foi denunciado por não tomar as medidas necessárias para processar e punir o agressor, apesar das denúncias efetuadas por mais de 15 anos. Deste modo, em 2001 o Brasil foi condenado por negligência e omissão em relação à violência doméstica.
O ex-marido Marco Antônio Heredia foi duas vezes a júri, recorrendo da condenação para conseguir permanecer em liberdade. Somente em 1996, 19 anos e meio depois de haver cometido seus crimes e faltando somente seis meses para a prescrição do crime, ele foi de fato encarcerado. Sua pena foi de dez anos e seis meses de reclusão, no entanto, cumpriu aproximadamente dois anos.
O caso demorou mais de 15 anos para ser definitivamente julgado e, em 1998, foi protocolada denúncia conjunta pelo CEJIL (Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional), pelo CLADEM (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher) e pela vítima Maria da Penha.
Uma das punições atribuídas ao Governo Federal foi a recomendação de criação de mecanismos legais adequados e específicos a esse tipo de violência. A punição e recomendação da redação de uma lei especializada na prevenção, combate e punição da violência doméstica contra a mulher foi um marco na história da luta contra a violência de gênero. Diversas entidades reuniram-se para discutir um projeto de lei, definindo formas de violência doméstica e familiar contra as mulheres e estabelecendo mecanismos para prevenir e reduzir a violência doméstica e familiar, como também prestar assistência às vítimas. Em decorrência dessa luta e organização coletiva, em 2006, a Lei 11.340/06 - Lei Maria da Penha entrou em vigor no Brasil.
A Lei Maria da Penha foi pioneira e vanguardista por ter sido a primeira no Brasil a tratar especificamente da violências contra a mulher. É, portanto, um marco na história de luta e de defesa dos Direitos das mulheres. Isto pois, após a sua promulgação, atribuiu-se ao Estado o dever criar e implementar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, desde sua criação, tem sido o principal instrumento jurídico de proteção às mulheres em situação de violência.
Para Maria da Penha, a lei só trouxe coisas boas. Ela ressalta sua fundamental contribuição para a prevenção e proteção da mulher em relação à violência doméstica. Aponta, em contrapartida, que políticas de prevenção, como a educação em questões de gênero, fazem toda a diferença na redução dos casos de violência familiar. Por essa razão, decidiu criar um instituto para prosseguir com a luta. Fundado em 2009, o Instituto Maria da Penha busca estimular e contribuir para a aplicação integral da lei, bem como monitorar a implementação e o desenvolvimento das melhores práticas e políticas públicas para o seu cumprimento, promovendo a construção de uma sociedade sem violência doméstica e familiar contra a mulher. Hoje, dedicada ao IMP, que administra com o apoio das três filhas, ela viaja pelo Brasil participando em campanhas contra a violência - como convidada e apoiadora de órgãos governamentais – e apoia, também, a estruturação, orientação e divulgação de políticas e projetos públicos que beneficiem mulheres vítimas da violência doméstica que surgem por todo o país.
A luta pela emancipação feminina é tão longa quanto dolorosa. Assume diversas frentes e conta com algumas batalhas já vencidas, como a livre escolha afetiva e o divórcio, a igualdade no trabalho e o direito ao voto. Entretanto, muitas outras questões ainda estão por se resolver. No Brasil, o maior desafio neste início de Século XXI é o combate à violência doméstica. Nesse contexto, a Lei Maria da Penha constitui um dos capítulos mais relevantes dessa história. Por isso torna-se tão importante conhecer a história da mulher-símbolo que a inspirou.
Referências e sugestões de leitura
DA PENHA, Maria. "Sobrevivi... posso contar". Fortaleza: Armazém da Cultura, 2014.
GUERREIRO, Cláudia. "Perfil - Maria da Penha" In: Desafios do Desenvolvimento - IPEA. 2013, ano 1, ed. 77. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2938:catid=28&Itemid=23
"Quem é Maria da Penha" - Instituto Maria da Penha (sem data) <https://www.institutomariadapenha.org.br/quem-e-maria-da-penha.html#:~:text=o%20primeiro%20julgamento%20de%20Marco,saiu%20do%20f%C3%B3rum%20em%20liberdade>
"Relatório n.° 54/01, Caso 12.051 de Maria da Penha Maia Fernandes" - Comissão Interamericana de Direitos Humanos (04/04/2001) <https://www.cidh.oas.org/annualrep/2000port/12051.htm>