Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa

Entre abraços, downloads e baladas

Fonte: O Estado de S. Paulo

Rodrigo Martins

Nos sete dias em que 'morei' na Campus Party, vivenciei situações das mais bizarras. Um cineasta profetizava que o evento era 'um marco da pós-modernidade'. Três garotos saíam pelos corredores e abraçavam quem aparecesse. Uma balada à fantasia virou uma festa nerd em que meia dúzia dançou e o resto ficou parado, só fotografando.

Lógico que, por estar no primeiro ano, a Campus Party brasileira não chegou ao nível de maturidade da versão original, espanhola, que tem onze. Em Valência, onde estive em julho passado, a esquisitice era bem maior. Além de ter quase o dobro de participantes, havia campuseiros que colocavam bonecas infláveis em cima do PC, posicionavam seus colchões ao lado das bancadas para vigiar os downloads enquanto dormiam e até levavam sanduicheiras elétricas para ficar o menor tempo possível longe da internet.

Mesmo assim a Campus Party Brasil já criou as suas leis: 1) ficar conectado toda hora e usar o PC para falar com todo mundo, mesmo que a pessoa esteja ao seu lado; 2) conversar com estranhos, pois você está no lugar para fazer amigos e compartilhar experiências; 3) acostumar-se a comportamentos esdrúxulos, como gritos inesperados ou trenzinhos de pessoas nos corredores; 4) não dormir e, se dormir, perder muito tempo com uma coisa tão inútil.

O público também foi diferente. Se na Espanha o que se via eram jovens do sexo masculino jogando games, aqui havia adolescentes, pós-adolescentes, trintões, quarentões, cinqüentões e até sessentões. O aposentado Geza Arbocz, de 64 anos, foi à Bienal para aprender mais sobre software livre e 'trocar conhecimentos ao vivo em vez de só pela internet.'

Teve gente que levou a família inteira, como a advogada Eliana Duarte, de 46 anos, que foi com os três filhos, a mais nova de 8 anos, e o marido. 'Vim para tomar conta deles', contou. O estudante Eric Camargo, de 12 anos, foi até dispensado da escola. 'A diretora me viu na TV e liberou.'

A concentração de nerds chamou a atenção de TVs, rádios, jornais e blogs. 'Não tem ninguém aqui que não tenha dado pelo menos uma entrevista', disse o cineasta Maggir Casanova, de 40 anos. Que o diga o onipresente artista plástico Maciel Barreto, de 32 anos, que tunou seu PC com a forma de uma caveira e virou celebridade. 'Isso aqui é que nem o BBB. Quando acabar, a mídia esquece.'

Misturadas no primeiro andar da Bienal, cada tribo tinha um interesse diferente. Uns blogavam, outros programavam ou participavam de campeonatos de robótica... Mas havia coisas em comum. Uma delas era a abertura para fazer novos amigos. 'Conheci os meus camaradas aqui', disse o desenvolvedor Fernando Alves, de 19 anos.

O download (a maioria ilegal) também era bem popular. O estudante Felipe (o sobrenome foi preservado), de 15 anos, quando se deu conta de tudo o que poderia baixar com uma conexão tão rápida, deu uma fugida até a Rua Santa Ifigênia, no centro de SP, para comprar 300 CD-Rs e gravar a maior quantidade de jogos, filmes e músicas possível: 'Vou comprar mais uns 200.'

E qual é a posição da Campus Party diante do fato de os campuseros mandarem ver no download ilegal de conteúdo? Segundo o organizador Marcelo Branco, baixar (arquivos) para uso pessoal não é pirataria e usar redes P2P não faz de ninguém um criminoso. Será? Vale uma discussão mais aprofundada.

TOMOU BANHO?

Numa coisa a Campus Party brasileira lembrou a espanhola: uma certa resistência a banho. Nunca peguei os chuveiros lotados e olha que eram apenas 21 para 1.800 acampados - os demais participantes preferiram dormir em casa. Ninguém que entrevistei assumiu estar sem banho, mas as meninas reclamavam do 'odor' dos meninos.

As barracas também não foram muito usadas. 'Para que dormir? Paguei a inscrição e quero aproveitar', contou a blogueira Carol Kaka, de 21 anos. Eu mesmo dormi apenas quatro horas por dia para conseguir ficar conectado por mais de 130 horas (até o fechamento desta edição).

E era justamente nas madrugadas que o pessoal se animava mais. Quando alguém vencia uma competição, os gamers começavam a gritar e uma grande 'ola' se espalhava pelo pavilhão. Coisas de nerd.
COLABORARAM BRUNO GALO E MARIANA BORTOLETTI