Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa

Um novo teatro

Fonte: O Estado de S. Paulo

Marcelo Rubens Paiva

A demolição do Sesc Belenzinho trouxe um debate. O lugar abrigava espaços teatrais diferentes entre si (arena, palco italiano, corredor, porão, silo). A unidade mantinha portas, canos e caldeiras originais da antiga fábrica; uma atração à parte. Assistir a uma peça lá era um evento que começava na entrada. No mais, e o mais importante, eram espaços modestos (de 50 a 200 pessoas). Lotava. Sua demolição foi uma estupidez. Demonstra como São Paulo é incapaz de preservar o seu patrimônio. A culpa nem é do Sesc. Fora uma exigência da Prefeitura, que implicava com as normas de segurança.

O caso lembra o do Sesc Pinheiros, construído num terreno em que havia um posto de gasolina abandonado, retrato urbano do caos; a cara de São Paulo. Uma das primeiras raves do País foi lá. Então, passaram o trator, e subiu um prédio de vidros, sem cara, com um teatro gigante, tal qual o do Sesc Vila Mariana, que viraram auditório.

Existe uma falta de sintonia entre construtores, produções e público. São Paulo não precisa mais de teatros de mais de 700 lugares, já que são raros os espetáculos que mobilizam mais de 700 espectadores. A não ser que clonassem Paulo Autran, Antônio Fagundes, Juca de Oliveira e Fernanda Torres. A demanda é para espaços menores.

No meio cultural, não se entende o descaso das administrações municipais com o Centro Cultural São Paulo (Vergueiro), inaugurado em 1981. Até hoje não foi concluído. Imagina se tivessem pego a grana da construção do Auditório Ibirapuera, para arrumar as salas de bairro e finalizar a obra do CCSP?

A cena mudou. Poucos espetáculos levam mais de 300 pessoas. Quando levam 200, é um sucesso, e dá lucro. Ocorreu um renascimento no cinema, quando transformaram salas gigantes em complexos com salas menores. Porque o público não segue uma onda apenas, não há mais um gosto uniforme, não existe mais o livro do ano, a peça ou filme do ano. O gosto se diversificou. O sucesso da Praça Roosevelt e da Unidade Provisória do Sesc Paulista se deve à localização e ao tamanho enxuto das suas salas. Tem muita gente fazendo reza brava para tirar o 'provisória' do nome.

Uma nova dramaturgia nasce rompendo velhas regras e contam histórias já nos primeiros rounds e entrelinhas, cujos silêncios ou pausas são falas. Três obras-primas em cartaz são exemplos de textos de nocaute, para atordoar o espectador sem muita enrolação. A total falta de transparência das ideologias vigente constrói uma perversidade humana cada dia mais descontrolada. Matou-se a ética. Temos medo do amanhã?

1- Roxo, de Jon Fosse, direção de Fernanda d'Umbra, é um instante no cotidiano vazio de jovens urbanos, que sonham com a fama (acreditam ser a solução de seus problemas). Querem ter um projeto de amanhã, uma meta. Montam uma banda de garagem. Há um pequeno e mordaz detalhe: não sabem tocar nada. O único prazer que lhes resta é A Garota, vivida por uma atriz menina de talento grande (Júlia Novaes), que é fã da quase banda e reveza seu afeto e tédio entre eles. A peça dura 40 minutos (como a maioria das peças de Fosse). Têm quatro cenas. O clima está construído entre as pausas.

2 - Uma Pilha de Pratos na Cozinha, direção e autoria de Mario Bortolotto, é a mais recente e talvez uma das melhores peças deste que tem mais de 50 no seu currículo (acho que nem ele sabe quantas), e que faz parte do projeto E se Fez a Praça Roosevelt em 7 Dias. O elenco está afinado desde a estréia: Alex Gruli, Eduardo Chagas, Otavio Martins e Paula Cohen. Começa como algumas peças do Bortolotto: um sujeito desesperado quer a solidão e a companhia de três amuletos fundamentais: destilado, cigarro e música. Assim, ele procura se afastar do desencanto. No entanto, a dor de fora não o deixa em paz. Três visitas atropelam o seu tormento, o amigo viciado, músico frustrado, o síndico viciado, homossexual enrustido, e a ex-namorada, que o abandonou e está para morrer. Ela, assim que entra, pergunta para os três, com uma verdade assustadora: 'Todo mundo tá feliz?'

Claro que não. Todo mundo está absolutamente sem motivação, tocando a vida com a barriga, perdeu-se a vontade há muito, não existe mais nada em que acreditar. Ela não vai fazer um acerto de contas, nem se desculpar pela vida que teve. Vai apenas desabafar que ser jovem era para ser bom. Não tem raiva de ninguém. Desilusão. E constata que é igual aos três. Apenas vai morrer antes.

3 - Estreou no Sesi a nova e assombrosa peça do grupo SCT (Sutil Companhia de Teatro), Educação Sentimental do Vampiro, coletânea de textos do Dalton Trevisan, o Vampiro de Curitiba, que ajudou na seleção. O diretor Felipe Hirsch retoma a linguagem da peça anterior, Avenida Dropsie: cenas curtas, interligadas pelo clima, não por um enredo, de cotidiano de rua e narrativa (repare na cena do cinema; o é dito não tem nada a ver com o que é encenado). Sob projeções de quadrinhos e uma arte P&B, como num enquadramento de Fritz Lang, e com uma trilha atonal constante e sufocante (Shoenberg), trata-se de um dos melhores trabalhos dos 15 anos da SCT.

Aqueles que transpõem preconceitos e aceitam o humor macabro do autor, preparem-se: estupro, assassinato, zoofilia, violência doméstica, indiferença social e esquartejamento são temas retratados em esquetes engraçados e mórbidos, como páginas da imprensa marrom. Lembrete: Trevisan foi repórter policial.

Na primeira cena, extraída do conto Uma Vela para Dario, um bom sujeito tem um enfarte na rua. Logo os pedestres o ajudam, mas pequenos problemas aparecem, como quem pagará a corrida do táxi para o hospital? Decidem arrastá-lo até uma farmácia. Mas como ela é longe, eles o deixam na frente de uma peixaria. E pouco a pouco vão levando tudo do homem, que morre sem documentos, sapatos, por falta de socorro.

'Talvez meu impulso inicial mais secreto seja me vingar do mundo, me firmar contra ele, procurar ao menos uma arma para me defender, porque no corpo-a-corpo eu sairia perdendo', disse Trevisan numa das poucas vezes que falou sobre a sua obra. Que assim seja.

Paradoxalmente, se no palco vemos a perversidade das ruas, fora dele, o isolamento. Instalaram grades de ferro na entrada do teatro (prédio da Fiesp), Avenida Paulista. Segundo os seguranças, fruto das manifestações na avenida. O povo dá medo?