Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa
1º passo contra pichações
Dê sua opinião sobre o que deve ser feito com a pichação
Naiana Oscar, naiana.oscar@grupoestado.com.br
Depois de dois anos em tramitação, o projeto de lei que institui o Programa Antipichação na Capital foi aprovado ontem, em primeira votação na Câmara dos Vereadores. O Projeto 645/05, de autoria do ex-prefeito José Serra, autoriza a Prefeitura a pintar imóveis públicos e particulares atingidos por pichação.
Tudo será feito em parcerias. A mão de obra deve ficar por conta de pessoas encaminhadas pela Justiça para prestar serviços à comunidade. A iniciativa privada será incentivada a fornecer tinta, em troca de ter seu nome relacionado à recuperação daquele espaço, como acontece com a adoção de praças.
Segundo o vereador Netinho, líder do governo na Câmara, o texto deve ir para segunda votação terça-feira. Em seguida a lei é sancionada pelo prefeito e entra em vigor.
A eficácia do Programa Antipichação é questionada por quem estuda o assunto. Para a diretora da Faculdade de Arquitetura da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Nádia Someck, reduzir as pichações em São Paulo exige diálogo e não tinta. 'Temos de conversar com esses grupos, dar a eles mais espaço para se expressar.'
O secretário municipal das subprefeituras, Andrea Matarazzo, também admite que a lei não fará milagres. 'Nada disso adianta se não houver um misto de punição e educação', disse. Segundo ele, está em estudo uma maneira de promover encontros entre pichadores e grafiteiros para discutir a poluição visual na Cidade.
Para o artista plástico e pesquisador das pichações paulistanas Marcos Mello é preciso ir além da limpeza e entender o fenômeno social que está por trás dos rabiscos incompreensíveis dos pichadores. 'Pintar as fachadas os contraria. A resposta virá em dobro', disse.
Os paulistanos aprenderam isso na prática. O corretor de seguros Sidney Corrochano, de 53 anos, desembolsou R$ 3 mil para pintar o escritório, no Ipiranga. Isso faz apenas uma semana e a parede já está rabiscada de novo. 'A gente gasta uma grana para deixar o imóvel em dia e tem gente que faz uma coisa dessas. Acho que a Cidade não tem mais jeito', disse. Na Rua Cardeal Arcoverde, uma das mais maltratadas pelos pichadores, a costureira Ana Reis cansou de recuperar a fachada de sua casa, que há cinco meses não recebe uma mão de tinta. Está completamente pichada.
'O dinheiro que tenho de gastar com isso me faz muita falta', disse a costureira à reportagem.
Atualmente, a Prefeitura é responsável apenas pela limpeza e pintura de imóveis públicos. Cada uma das 31 subprefeituras tem um caminhão antipichação para limpar a sujeira. Os monumentos tombados, alvos freqüentes dos pichadores, recebem tratamento especial. As esculturas mais visadas são limpas praticamente uma vez por semana, segundo o Departamento do Patrimônio Histórico. Nessa lista estão o Monumento ao Imigrante Italiano, na praça de mesmo nome, e o Glória Imortal aos Fundadores de São Paulo, no Pátio do Colégio a escultura Mãe Preta, no Largo do Paiçandu.
Em 2006, a Prefeitura pintou 1,6 milhão de m2 de muros públicos. De janeiro a maio deste ano já foi pintado 1,1 milhão de m2, o equivalente a 203 campos de futebol.
A previsão é de que até dezembro sejam gastos R$ 1,6 milhão com serviços de limpeza e pintura - o dobro do que foi gasto no ano passado.
O QUE DIZ O PROJETO
A Prefeitura fica autorizada a pintar muros e fachadas de imóveis públicos e particulares atingidos por pichação.
O poder público municipal pode firmar convênios com os governos estadual e federal para recuperar muros e fachadas de imóveis que pertençam a eles.
A Prefeitura dará prioridade à mão de obra de pessoas encaminhas pela Justiça para prestar serviço à comunidade.
Para o fornecimento de tintas e materiais usados na pintura reparadora, o município deve fazer parceria com a iniciativa privada
A empresa cooperadora poderá identificar os espaços recuperados com uma placa de 15 centímetros por 30 centímetros.
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'Pichar está no meu código genético'
Pigmeu deixa sua marca nos prédios da Cidade há 17 anos; pichou a própria casa
Para Pigmeu, os prédios da Cidade são livros gigantes, que pedem para serem escritos. Pichar dá ibope. 'Se você tivesse uma empresa, não gostaria que a propaganda dela estivesse no topo, num lugar de visibilidade? É o que a gente faz com a nossa causa', diz. É assim que Pigmeu protesta desde os 15 anos. Hoje,tem 32. 'Tá no meu código genético ser pichador.'
Quando o filme Homem-Aranha 1 foi lançado nos cinemas de São Paulo, a gangue dele não tinha dinheiro para os ingressos. 'Escalamos um prédio e pichamos tudo para mostrar que essa cidade está cheia de homens-aranhas.'
Ele é contra pichar monumentos e igrejas. Prédios, não tem problema. 'Sei que nunca vou morar num lugar desses. Parece cadeia, mas, a gente consegue burlar.' Fez questão de pichar sua própria casa, com a assinatura que o identifica entre as gangues. Quando vê um rabisco, garante que identifica o autor e onde ele mora em minutos. 'Nós nos conhecemos. São Paulo é pequena para a pichação.'
O que Pigmeu acha de limpar a Cidade? 'Assim que pintarem o muro, alguém vai querer pichar só de raiva. Ninguém quer saber se aquele pichador tá passando fome ou tá desempregado.' Preso 10 vezes por pichação, não quis se identificar: 'Prefiro continuar sem existir para a sociedade.'
4 perguntas para
MARCOS MELLO
DESIGNER E ARTISTA PLÁSTICO
Grafite e pichação são diferentes?
Sim, o grafite está ligado a uma elaboração mais plástica, com mais cor, mais volume. Já a pichação é letra, caligrafia. O traço reto e pontiagudo que temos em São Paulo é exclusivo daqui, constituído pelo próprio ritmo de escrever e pela arquitetura da Cidade. A pichação paulistana é motivo de estudo até para autores estrangeiros.
Quais as motivações dos pichadores?
O que temos são gangues de escritores. Cada grupo tem sua assinatura, seu logotipo. Numa cultura que enaltece a marca, imagine qual é o efeito de ter a sua marca estampada no alto de um prédio. A pichação é um reflexo da relação centro-periferia, incluído-excluído. É uma maneira de dizer: também existo, vivo na mesma cidade que vocês. Mostra uma questão cultural e social que é renegada por nós.
Em Buenos Aires, o centro da cidade é pichado com frases políticas. Aqui é diferente. Por quê?
A manifestação em São Paulo também é política. É uma demarcação de território e uma demonstração de carência. A Capital está mapeada por grupos de pichadores e um não pode invadir o espaço do outro. Se isso acontece, em poucos minutos todos ficam sabendo, como numa rede de comunicação. Os lugares mais difíceis de pichar são os preferidos. Quanto mais alto ou mais perigoso, mais status o grupo ganha. Um dos grandes troféus é o Fórum João Mendes. Se a avenida for movimentada, fatalmente terá pichação, porque dá visibilidade. Cada grupo desenvolve o seu próprio alfabeto.
E qual a origem dessa caligrafia?
No fim da década de 80, os motoboys costumavam se encontrar na Galeria do Rock, no Centro. A referência que eles tinham eram as letras de capas de discos - uma caligrafia celta, pontiaguda. Os jovens começaram a aplicá-las nos prédios e a própria arquitetura colaborou para isso. Em Belo Horizonte e no Rio, as caligrafias são mais soltas.
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