Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa

Nederlands dá a largada para sua turnê brasileira

Fonte: O Estado de S. Paulo
Uma das maiores companhias internacionais da atualidade apresentará, em sua passagem pelo País, coreografia criada por um brasileiro, Henrique Rodovalho

Karla Dunder

A cidade de Haia, na Holanda, é a sede de um dos mais importantes projetos artísticos da atualidade, o Nederlands Dans Theater. A excelência é a marca impressa pelas três companhias que compõem o grupo, um talento que poderá ser visto de perto a partir dos dias 16 e 17 no Theatro Municipal do Rio, quando a jovem NDT 2 dará início à temporada brasileira. A turnê seguirá para São Paulo nos dias 20 e 21, com apresentações do Teatro Sérgio Cardoso e no dia 23 no Palácio das Artes em Belo Horizonte.

O Nederlands Dans Theater 2 é o celeiro do projeto. De lá saem os jovens talentos que mantém a qualidade da companhia principal, o NDT 1 - sem dúvida um dos melhores grupos de dança do mundo. No Brasil, os 27 jovens de 17 a 22 anos apresentarão um programa eclético e muito especial. Além de 27'52'', do mestre Jíri Kylián, que dirigiu e coreografou para o NDT por cerca de 25 anos, Spit de Ohad Naharin e Sob a Pele, de ninguém menos do que um brasileiro: o goiano Henrique Rodovalho.

'Tive a oportunidade de conhecer o trabalho de Rodovalho durante o Dance Salad, em Houston, um festival internacional que reúne diferentes artistas do mundo. Até então, nunca tinha ouvido falar sobre Rodovalho ou sua companhia. Fiquei impressionado quando vi Coreografia para Ouvir, do grupo dirigido por ele, o Quasar. Realmente gostei muito das músicas, dos movimentos, da energia do elenco', diz o entusiasmado diretor artístico Gerald Tibbs. 'Em um primeiro momento fiquei acanhado, com receio de me aproximar. Após assistir três vezes ao espetáculo, não resisti e convidei Rodovalho para criar algo especialmente para o NDT2. O Quasar é jovem, assim como o Nederlands 2. Acho que a troca de energias é bem interessante.' O primeiro encontro ocorreu em 2004. Após um ano de conversas e trocas de vídeos e projetos entre as duas companhias, nasceu Sob a Pele, que estreou no ano passado no Lucent Danstheater, na Holanda.

Sob a Pele une humor, movimentos vigorosos e desarticulados. 'Os bailarinos do Nederlands são extremamente habilidosos e têm domínio absoluto da técnica. Minha proposta foi totalmente diferente para eles: instiguei os intérpretes a se apropriarem dos movimentos, aproveitei a qualidade de cada um para desenvolver a coreografia sem tanto refinamento, bem solta e com uma trilha sonora bem brasileira, uma bossa eletrônica', explica Rodovalho.

O brasileiro enfrentou o desafio de coreografar em apenas um mês. A maratona contou com workshops de improvisação e a ajuda preciosa de Tibbs, que acompanhou o processo, sem, contudo, interferir no trabalho criativo do goiano. 'Tive toda a liberdade e o apoio de uma superestrutura. Fiquei lisonjeado com o convite e ainda mais de saber que a coreografia entrou para o repertório do NDT2.'

No programa, há outro conhecido dos brasileiros, pelo menos do público paulistano, o israelense Ohad Naharin. Discípulo de Marta Graham, diretor artístico da Batsheva Dance Company, Naharin atuou com o Balé da Cidade de São Paulo, que possui em seu repertório os espetáculos Black Milk e Perpétuum. Em Spit Naharin faz uma colagem das coreografias Virus, Mabul, Black Milk e Telophaza. 'Ele é um coreógrafo conhecido, trabalhou conosco no NDT-1 antes de ir para a Batsheva em Tel-Aviv. Como é muito ocupado, não pôde ir pessoalmente a Haia e não criou algo novo ou exclusivo, mas ofereceu uma colagem de outras coreografias maiores', destaca Tibbs.

Para Naharin, o retorno ao Nederlands é um prazer. 'Temos uma forte conexão, trabalhamos juntos várias vezes, o nosso processo de criação é similar e ao mesmo tempo posso compartilhar com esses jovens intérpretes as minhas idéias. Melhor ainda é saber que Spit será apresentado no Brasil, onde tenho muitos amigos', diz. 'Spit é composto por uma série de trechos de coreografias conhecidas, o que não foi por acaso. Eu gosto de voltar ao passado e fazer novas leituras dessas obras antigas, costumo dizer que tenho uma verdadeira obsessão pela reconstrução; eu nunca termino realmente um espetáculo, eles estão em constante processo e sofrem mudanças.'

Para fechar, os brasileiros verão 27'52'' , de Jíri Kylián . ' Kylián foi diretor artístico por 25 anos de todo o Nederlands, foi o coreógrafo residente e sempre incluímos uma peça para representá-lo', afirma Tibbs. Em cena seis bailarinos executam solos e pas-de-deux sob o foco de refletores em movimento. Telas brancas criam sombras. O ambiente sinistro se completa com a trilha composta por Dirk Haubrich , que mistura melodia, ruídos e a leitura de poemas feita pelos bailarinos.

(SERVIÇO)ONDE COMPRAR: Para as duas apresentações do Rio (16 e 17 de junho), nas bilheterias do Theatro Municipal (21- 2299-1643) ou Ticketronic (21-2542-4010). Para São Paulo (20 e 21 de junho), na bilheteria do Teatro Sérgio Cardoso (11-3288-0136) ou em domicílio com taxa (11-6163-5087). Para Belo Horizonte (23 de junho), na bilheteria do Palácio das Artes (31-3237-7399).

Tem ginga e humor? Então, é coisa nossa

Coreógrafo goiano e bailarina carioca falam do sotaque levado ao grupo holandês

Henrique Rodovalho coleciona prêmios pelo Brasil, assina 18 coreografias pelo Quasar e recentemente alcançou destaque internacional com Sob a Pele. 'Foi uma surpresa receber o convite e um desafio criar um espetáculo diferente daquilo que o Nederlands costuma apresentar. Fiquei com receio daquela superestrutura, mas foi recompensador e me senti muito valorizado.'

Sob a Pele busca as emoções dos intérpretes, foge da frieza técnica e evoca as particularidades de cada bailarino. 'Não foi fácil coreografar para um grupo que não conhece a minha linguagem, a maneira de eles entenderem a dança é bem diferente. O tempo foi curto, o processo exaustivo, mas no fim a troca foi interessante.'

O primeiro passo para a criação foi um workshop, no qual ele sugeriu exercícios básicos para trabalhar a fragmentação dos movimentos - uma de suas características na Quasar. 'Eles criaram pequenas coreografias, apenas para que tivessem contato com meu estilo. Fizemos aulas de contemporâneo e depois partimos para os ensaios. Claro que uns se adaptaram melhor do que outros e a trilha com base eletrônica ajudou no processo. Os bailarinos ficaram à vontade, soltos .'

Rodovalho contou com uma ajuda preciosa da bailarina brasileira Nina Botkay. 'Ela foi fundamental durante a criação coreográfica, se adaptou rápido à linguagem e ajudava os outros. Era um porto seguro naquele grupo tão internacional', conta Rodovalho. Nascida em uma família de artistas, Nina, aos 15 anos, já fazia parte do elenco do De Anima, no Rio, e logo ingressou no Nederlands. 'Fiquei orgulhosa de trabalhar com um brasileiro, ajudei nas traduções, tanto do português para o inglês, como nos movimentos.'

A experiência no NDT2 é descrita por Nina como uma escola. 'A base é da dança clássica, o estilo é bem definido e treinamos muitas horas por dia, mas temos a oportunidade de conhecer outros coreógrafos, além de conviver com pessoas de vários cantos do mundo. A cada dia é um aprendizado novo.' A jovem só faz uma ressalva ao programa: 'Sou fã do Ohad Naharin, ele possui um jeito simples e poético de ver a dança, no entanto, uma junção de trechos coreográficos, como Spit, não dá a idéia completa da obra dele. Fora isso, estou muito animada em dançar no Brasil.'

Após a apresentação do explosivo Nederlands, Henrique Rodovalho já está a todo vapor com a criação de uma nova coreografia em comemoração aos 20 anos da Quasar, que será apresentada no Alfa, em São Paulo, no segundo semestre.