Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa

Senador quer Lei Rouanet para igrejas

Fonte: Folha de S. Paulo
Marcelo Crivella propõe usar recursos da cultura para manutenção de templos; MinC teme que verba seja usada para evangelização

Projeto do político, que é ligado à Igreja Universal, não especifica de que forma o dinheiro captado com a lei poderia ser empregado

FERNANDA KRAKOVICS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Senado está prestes a votar um projeto de lei que inclui os templos religiosos entre os beneficiários da Lei Rouanet, de incentivo à cultura. A proposta é do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), ligado à Igreja Universal. Ele diz que seu objetivo é que essa verba possa ser utilizada na reforma de templos.
"Eu não quero que as igrejas caiam na cabeça dos outros, nem que igrejas centenárias sejam trocadas por prédios de dez andares", disse. "A Lei Rouanet já prevê reforma de arquivos, museus e bibliotecas. Na verdade, só quero deixar expresso na lei algo que já é possível", minimizou o senador.
O Ministério da Cultura é contra o projeto, porque afirma que ele tem brechas que permitiriam o financiamento da construção de templos e de campanhas de evangelização, por exemplo, não se restringindo a projetos culturais.
Segundo o secretário de Incentivo e Fomento à Cultura do ministério, Marco Acco, atualmente a Lei Rouanet já financia expressões artísticas e culturais de igrejas, como gravação de CDs, edições de livros e encontros de corais.
De acordo com o senador, só seriam beneficiados os templos religiosos tombados pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e aqueles cujos prédios sejam centenários. O texto do projeto não especifica, porém, de que forma o dinheiro da Lei Rouanet poderia ser empregado.
A única emenda ao texto original foi feita pelo senador Sibá Machado (PT-AC), para deixar claro que os beneficiários são templos de todos os credos, e não apenas os cristãos.
Crivella nega que esteja legislando em causa própria. "Entre as igrejas evangélicas são centenárias a Batista, Metodista, Presbiteriana e Congregacional. A minha [Universal] tem 30 anos", afirmou ele.
A proposta em tramitação permite às igrejas acesso aos recursos do Pronac (Programa Nacional de Apoio à Cultura), cujo montante em 2006 foi de quase R$ 815 milhões. Entre as suas fontes de verbas estão recursos do Tesouro Nacional, arrecadação de loterias federais e incentivos fiscais a projetos culturais. As empresas poderiam abater 4% do Imposto de Renda para investir em projetos culturais de igrejas.
As próprias instituições religiosas, que poderiam ser beneficiadas com essas isenções de imposto de terceiros, já são no Brasil "imunes aos principais tributos federais", diz o advogado tributarista Douglas Ya- mashita, de São Paulo. Não são tributadas, com algumas ressalvas, sobre patrimônio, renda e suas atividades.
A matéria foi aprovada em abril pela Comissão de Educação e encaminhada ao plenário, mas um requerimento do presidente do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE), a fez voltar para a CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) e CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), atrasando assim sua tramitação. O projeto ainda tem que passar pela Câmara dos Deputados.

Abaixo-assinado reúne 25 mil contra projeto

DA REPORTAGEM LOCAL

O projeto que altera a Lei Rouanet para nela incluir explicitamente como beneficiários os templos religiosos tem provocado reações adversas e ataques dos meios culturais e de fora deles, que consideram a proposta uma distorção dos objetivos da lei.
Além de manifestações de produtores, escritores e cineastas, um abaixo-assinado já reuniu na internet mais de 25 mil assinaturas de pessoas contrárias à proposta do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ).
Cesar Oliveira, 54, organizador da petição virtual, diz que entregará a lista completa ao deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ) depois de amanhã, segunda-feira. Por que ele? "Tenho o hábito de encher o saco daqueles em que voto", ele diz. "Eu pago meus impostos, acho que posso reclamar."
Oliveira registrou o abaixo-assinado em um site de petições virtuais e encaminhou e-mails para amigos (que deviam fazer o mesmo com seus conhecidos, e assim por diante). Nessas mensagens, recebiam um link para o texto no www.petitiononline.com. Preenchiam um cadastro e acrescentavam seu nome ao documento.

Separação igreja-Estado
Entre os nomes está o do escritor Milton Hatoum, que diz considerar a proposta de Crivella "um absurdo". Defendendo que o imposto repassado pela Lei Rouanet para o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) deve ser destinado exclusivamente para atividades artísticas, Hatoum afirma que "usar uma parte do Imposto de Renda de empresas em templos religiosos é uma afronta à Constituição".
Crítica semelhante é feita pelo cineasta Cacá Diegues, também contrário ao uso de dinheiro público para atividades religiosas. "Acho que não é uma iniciativa democrática porque o Estado brasileiro é laico e não pode se meter em religião, seja de qual natureza for. Não tenho nada contra igreja nenhuma. Mas sou absolutamente contra", ele diz.
Gilberto Belleza, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, e o cineasta André Sturm fazem crítica semelhante à afirmação do senador Crivella de que o projeto busca proteger igrejas "centenárias" e que ele não quer templos caindo na cabeça dos fiéis.
"A manutenção de igrejas centenárias já é possível. A lei permite, dentro de uma classe de edifícios tombados", diz Belleza. "Se a igreja centenária ou bicentenária for patrimônio histórico, a Lei Rouanet permite [seu uso para restauração]", afirma Sturm. Ambos não vêem, portanto, razão para que essa característica da lei seja "explicitada" por novo projeto.
"Isso é uma loucura total, uma coisa estapafúrdia. A lei não é para isso. Ela foi criada para incentivar a cultura", diz Paulo Thiago, presidente do Sicav-RJ (Sindicato Interestadual do Audiovisual).
Também ressaltando a função específica da lei -estimular projetos artísticos-, Luiz Fernando Benedini, diretor-executivo da Orquestra Sinfônica Brasileira, diz que o projeto de Crivella repete o pleito que veio a dar na Lei do Esporte.
A demanda inicial de esportistas era que o setor pudesse participar dos recursos da Lei Rouanet. Após disputa com representantes da cultura, o governo federal terminou criando uma outra fatia de isenção fiscal para a área, que não concorreria com a porcentagem prevista para a cultura.
"Toda vez que você tenta usar para outros fins, você restringe os recursos que o legislador havia destinado especificamente para a cultura", ele diz.
"A cultura é setor estratégico e a todo momento alguém tenta entrar numa conquista que é sua", afirma Eduardo Barata, presidente da Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro. "É um absurdo do ponto de vista de mercado. As igrejas têm como se sustentar, enquanto o cinema e o teatro são atividades de mendicância", faz coro o cineasta Domingos de Oliveira. (EDUARDO SIMÕES E RAFAEL CARIELLO)

"Bienal devia rever estatuto", diz presidente

Reconduzido ao cargo, Manoel Pires da Costa propõe criação de corregedor para evitar irregularidades

DA REPORTAGEM LOCAL

Passada a crise que marcou sua reeleição para um terceiro mandato como presidente da Fundação Bienal, o empresário Manoel Pires da Costa diz que agora é o momento de rever o estatuto da instituição.
"Ele deve ser mais curto, mais fácil de interpretar e mais objetivo. Algo em que a gente bata o olho e saiba que não está ferindo."
Para tornar esse processo mais ágil, Pires da Costa sugere a criação de uma espécie de "corregedor" para auxiliar os gestores. "Seria alguém com uma certa vivência na Bienal, que estivesse sempre atento e que dissesse: "Olha, não vai por aqui que está errado"," disse, em entrevista à Folha.
Pires da Costa foi eleito em 19 de abril, mas sua posse ficou em suspenso pois as contas de 2006 da instituição foram contestadas pelo conselho consultivo. Constatou-se que o empresário havia afrontado o estatuto da Bienal ao contratar uma empresa de sua propriedade, a TPT Comunicações, para editar a revista "Bien'Art".
Na seqüência, o Ministério Público considerou que, apesar de irregular, o negócio não trouxera prejuízos à fundação. Foi feito, então, um Termo de Ajustamento de Conduta, no qual, entre outras coisas, o empresário compromete-se a não contratar empresas de parentes de diretores e conselheiros da fundação e "seus parentes de até o terceiro grau". O contrato da TPT com a Bienal também foi anulado.
Baseando sua defesa nessa conclusão, Pires da Costa teve as contas aprovadas, e a nova posse, permitida.
"As irregularidades foram cometidas em uma situação de crise com o objetivo de criar instrumentos inteligentes para a Bienal. É verdade que feriu o estatuto. Mas a razão já foi entendida."

Bienal de Arquitetura
Na próxima segunda, Pires da Costa se reunirá com representantes do Instituto de Arquitetos do Brasil para decidir o futuro da próxima Bienal de Arquitetura, prevista para o segundo semestre. O empresário diz que faltam recursos e que deve propor aos parceiros um modelo mais econômico e mais atraente para o grande público. "A IAB podia ser um pouco mais liberal. Por exemplo, por que a Casa Cor dá certo? Porque há fornecedores participando. Por que não pensamos um formato parecido, mantendo a qualidade, mas que atraia mais público?"(SYLVIA COLOMBO)