Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa

Festival de Curtas discute "fronteiras"

Fonte: Folha de S. Paulo
 

Filmes selecionados colocam em questão o hibridismo entre ficção, documentário e artes plásticas, diz diretora da mostra

Em sua 18ª edição, que começa hoje, evento acontece na Cinemateca Brasileira e apresenta 357 produções, gratuitamente

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

A 18ª edição do Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo começa hoje, com um total de 153 produções brasileiras e 204 estrangeiras, que serão exibidas com entrada franca ao público até o próximo dia 1º de setembro.
Embora diminutos no tamanho, os curtas-metragens desempenham um papel essencial no desenvolvimento da linguagem cinematográfica, na opinião da diretora do festival, Zita Carvalhosa.
"O curta é onde primeiro se experimenta", diz Carvalhosa, citando que foram testados inicialmente nesse formato não só inovações estilísticas como também tecnológicas, como o emprego das câmeras digitais.
As "fronteiras dos estilos" dominam, na opinião da diretora, as experimentações atuais dos cineastas que se dedicam ao curta-metragem, em filmes que "você não sabe se são documentários, narrativas convencionais ou artes plásticas", diz.
Um exemplo desse hibridismo está na obra do cineasta e artista plástico mineiro Cao Guimarães, a quem o Festival Internacional de Curtas dedica uma seção exclusiva, reunindo oito de seus trabalhos.
Entre os curtas de Guimarães selecionados há flagrantes como "Da Janela do Meu Quarto", em que duas crianças brincam numa rua de areia molhada, executando um "balé" ao mesmo tempo afetivo e beligerante, e o poema visual "Concerto para Clorofila", que é o que o nome indica.
Guimarães é também autor de longas. O mais recente deles, "Andarilho", será apresentado na mostra Horizontes, do próximo Festival de Veneza, que ocorre de 29/8 a 8/9.
Residindo atualmente em Berlim, de onde irá a Veneza, Guimarães cancelou sua vinda ao Festival de Curtas. Ele desenvolve no momento o roteiro do próximo longa-metragem do diretor Marcelo Gomes, autor de "Cinema, Aspirinas e Urubus", e prepara a montagem do primeiro filme dirigido pelo ator Matheus Nachtergaele, "A Festa da Menina Morta".

"Falso documentário"
Outro exemplo de filme na "fronteira entre ficção e documentário"é "Satori Uso", do londrinense Rodrigo Grota, eleito pela crítica o melhor curta do Festival de Gramado, encerrado no último sábado.
"Satori Uso" está na categoria do "falso documentário". Conta a vida do recluso poeta japonês Satori Uso, mostra trechos de sua obra, apresenta sua musa, Satine, e "recupera" o filme inacabado sobre ele, feito pelo cineasta americano Jim Kleist -todos inventados.
Já o diretor gaúcho Gustavo Spolidoro é o convidado da seção "Do Longa ao Curta". Autor de diversos curtas multipremiados, Spolidoro falará sobre sua carreira e comentará como o curta "Outros" (2000) serviu de preparação ao seu primeiro longa, "Ainda Orangotangos", recém-concluído e ainda inédito. Ambos consistem de um único plano-seqüência -a ação é filmada ininterruptamente, sem desligar a câmera.

Cinemateca
Nesta edição, a sede das principais sessões e debates do festival, que ocorriam no Museu da Imagem e do Som, passa a ser a Cinemateca Brasileira. "O festival fez 18 anos e saiu de casa", afirma Carvalhosa.
A razão da mudança, explica a diretora do festival, consiste no fato de que, com a recente inauguração de sua segunda sala, a Cinemateca Brasileira tornou-se lugar ideal para abrigar o festival, por dispor de salas paralelas e de um amplo espaço de convivência.
"Além disso, o Festival de Curtas é tradicionalmente formador de público e gostamos da idéia de que as pessoas conheçam um espaço como o da Cinemateca Brasileira", diz.

VEJA SELEÇÃO DE CURTAS DO FESTIVAL POR ZITA CARVALHOSA

WALTER SALLES FALA SOBRE SEU NOVO CURTA
Está previsto para amanhã bate-papo do diretor Walter Salles com o público sobre a estréia de seu curta "A 8.944 Km de Cannes" (Cinemateca Brasileira, às 20h) no Festival de Curtas, onde terá mais três sessões. Com os emboladores Castanha & Caju, o filme integra o longa coletivo "Chacun Son Cinéma" (o cinema de cada um), que celebra os 60 anos do Festival de Cannes.

 

Filme sobre crueldade infantil é o destaque

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Foi- se o tempo em que o formato era apenas plataforma para exercícios de cineastas estreantes. Em sua longa existência, o Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo consolidou uma oferta e acostumou o público a assistir a pequenas grandes obras independentemente do número de minutos.
Neste ano, o evento, mais uma vez, traz um apanhado de títulos, já consagrados em competições estrangeiras, que demonstram a ótima forma dessa produção.
O destaque absoluto vai para "Irmãs de Sangue", segundo trabalho na direção da dinamarquesa Louise N. D. Friedberg. Em quase 30 minutos, a diretora elabora uma análise psicológica extremamente dura da crueldade infantil de um modo que não se via desde "Cría Cuervos", de Saura.
O filme é todo construído a partir dos olhares da fantástica Malou Z. Bruun, que faz uma garota em disputa pela preferência de uma amiga depois da chegada de uma nova menina ao prédio onde moram.
"A TV com um Chapéu" reafirma a vitalidade do jovem cinema romeno com as dificuldades de um pai e um filho para consertar uma velha TV para que o garoto consiga assistir a um filme de Bruce Lee. Como aconteceu na emergência do cinema argentino, a ênfase social substitui o paternalismo por uma visão crua em que se enxerga com clareza os significados do "cada um por si" vigente.
A crônica social dá também sabor ao delicioso curta francês "O Mozart dos Batedores de Carteira", em que dois punguistas decadentes são salvos por um garoto de origem árabe, resposta às leis antiimigração de Nicolas Sarkozy.
O foco político reaparece em duas ótimas ficções latinas. No franco-chileno "Trinta Anos", um exilado retorna a Valparaiso para identificar os restos de uma antiga companheira, vítima da repressão sob a ditadura de Pinochet. Já o colombiano "Fogueira" acompanha o cotidiano banal de um empresário bem-sucedido em crise existencial ao completar 50 anos. Com pequenos índices dramáticos, o diretor Andrés Baiz acerta em capturar os desacordos entre os ideais do conforto e a irrealidade cotidiana.