Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa
Aumenta que isso aí é ópera
Thais Kuzman, thais.kuzman@grupoestado.com.br
A mocinha do filme deixa uma lágrima escorrer timidamente enquanto num palco distante matronas afetadas e senhores de voz de trovão cantam suas lamúrias em uma língua estrangeira. Para muitos, essa imagem cinematográfica e sisuda é a que melhor representa uma ópera: algo como arte ultrapassada feita por pessoas de mais idade. A cena lírica de São Paulo, entretanto, se esforça para mostrar que o canto erudito é cada vez mais lugar para gente jovem e descolada.
Um dos melhores exemplos nessa mudança de postura é a montagem de Il Matrimonio Segreto, ópera de Domenico Cimarosa que estréia na noite de hoje, no Theatro São Pedro. A diretora do projeto, Lívia Sabag, tem apenas 27 anos e utiliza pessoas de sua idade nos três dos seis papéis principais do espetáculo (leia perfis abaixo).
O mais curioso é que, na última vez em que a Cidade presenciou a história cômica de amor entre Carolina e Paulino, em 1980, a maior parte do elenco nem havia nascido. “A história é uma delícia. Além de tudo, o meu trabalho é de colocar em cena a teatralidade. Tirar aquela coisa chata de chegar, parar, cantar e sair”, diz Lívia, para explicar como atrai o público para o teatro.
Para a diretora, que se formou em artes cênicas pela USP e já foi aluna de Denise Stoklos, uma nova geração está se interessando mais por esse tipo de espetáculo. “Isso acaba gerando uma abertura no mercado para jovens cantores, gente que estuda e é especializada”, conta Lívia, que nos momentos de lazer ouve música brasileira, como as de Elis Regina, e gosta de dançar, mostrando que suas preferências ‘excêntricas’ acabam na ópera.
Uma das sopranos de Il Matrimonio é Caroline de Comi, de 26 anos. A responsável por boas risadas no palco conta que as pessoas ainda não estão acostumadas a ver alguém tão jovem no circuito lírico, o que sempre é motivo de espanto. “Quando digo o que faço, geralmente estranham e me dizem: ‘mas eu achava que eram só cantores velhos e gordões que trabalhavam com isso’”, conta a cantora, que acredita numa rápida mudança nesse quadro. “A cabeça dos diretores também está diferente, agora eles procuram pessoas mais jovens para os papéis de adolescentes, por exemplo. Acho que isso deve criar uma identificação maior com o público”, espera.
Se participar de uma ópera pode parecer coisa de maluco, imagine reger. Otávio Simões, 24 anos, já viveu essa experiência. Ele foi o regente assistente da montagem O Chapéu de Palha de Florença, que foi produzida no Theatro Municipal no primeiro semestre deste ano. “Trabalhar no Theatro Municipal triplica sua responsabilidade, pois você lida com profissionais de mais de 20 anos de experiência na música”, conta ele, que diz não ter se intimidado pelo vasto currículo dos colegas mais velhos. “Eu acho que as pessoas da minha idade tinham de viver esse tipo de situação, é muito importante”, empolga-se o estudante de regência, que no momento trabalha na montagem de outra ópera.
Naomi Munakata, 52 anos, desde 1995 rege o Coro da Osesp. Ela diz que o interesse de pessoas mais novas pelo canto lírico só está aumentando. “Os jovens estão se movimentando para fazer pequenas montagens de óperas, muitos querem ser solistas e isso é muito importante”, afirma.
A regente também explica que não há adolescentes em óperas por limitações do desenvolvimento físico. “A voz muda depois dos 18 anos, por isso os cantores líricos têm no mínimo 24 anos”, diz Naomi, que agora trabalha na montagem de Elektra, ópera de Richard Strauss, que será apresentada em setembro.
Divirta-se
Il Matrimonio Segreto. Theatro São Pedro - Rua Barra Funda, 171. Barra Funda. Hoje, às 20h30, domingo, às 17h, e terça-feira, às 20h30. Tel. 3667-0499. Preço: R$ 20
O arquiteto metaleiro que virou tenor
Thiago Soares, que interpreta o ‘mocinho’ Paolino em Il Matrimonio Secreto, chegou a estudar arquitetura na Unesp . Naquela época, no começo dos anos 2000, ele era cabeludo e cantava rock em “bandas de churrasco”. Foi na faculdade que o rapaz teve seu primeiro contato com a música erudita. “Ouvi músicas que tinham uma razão lógica, algo que eu nunca tinha ouvido e percebi que aquele mundo me interessava muito mais do que a Arquitetura”, lembra.
Soares (à direita) conta que no início era a atração de festivais, mas não exatamente por seus dons artísticos. “Todos ficavam impressionados por eu ser cabeludo, usar bermudas de skatista”, diz ele, que aos 28 anos não exibe mais a cabeleira de outrora. O tenor, que ainda finaliza suas aulas de canto na Universidade de São Paulo, já ostenta um belo currículo de apresentações, como com a Orquestra Sinfônica da USP e a Orquestra de Rio Claro, além da participação em festivais. E, apesar da sofisticação de seu trabalho, Thiago confessa que não precisa de tanta elegância na hora de se distrair. “Gosto mesmo é de ir para um boteco tomar uma cerveja com os amigos.”
Tatuagens escondidas sob a maquiagem
O piano era companheiro de Manuela Freua em casa. Mas, no colégio, ela gostava mesmo de testar sua garganta com sucessos de Janis Joplin. “Como todos falavam que eu cantava bem, acabei procurando um coral para me desenvolver mais”, conta a soprano de 26 anos, que interpreta o papel principal da ópera que estréia hoje, no Theatro São Pedro.
Apaixonada por música, Manuela (à esquerda) não pensou duas vezes na hora de prestar vestibular e embarcou num curso de canto da Unesp. “Entrei meio de gaiata, pois não sabia que as aulas seriam voltadas para o canto lírico”, diz ela, que ainda se considera uma roqueira. “Mas se você for ver bem, tem horas em que uma ópera lembra muito um show de rock”, acredita.
Fã de Ludov e Franz Ferdinand, a moça, que também atua como professora de canto, precisa esconder suas duas tatuagens – uma flor e uma mariposa – com maquiagem para encarar o palco. Fora dos teatros, a vida de Manuela também não é fácil. “Na balada, os caras sempre dizem que eu não pareço cantora lírica. Acho que a ópera foi ficando meio estereotipada, não é?”, diz ela, rindo.
Para o musical ‘Aída’, seleção a la ‘Ídolos’
Sem esconder a expectativa e a tensão, dezenas de candidatos se apresentaram diante do júri na última segunda-feira, na primeira bateria de audições
O clima tenso, as pessoas com números colados nas roupas e os jurados impiedosos testando a desenvoltura de candidatos nervosos no canto e na dança. Ali, tudo lembrava as eliminatórias do programa Ídolos, do SBT. A não ser por um detalhe: Ciz, Miranda, Arnaldo Sacomani e Thomas Roth não estavam lá. Além disso, o prêmio para os vencedores dessa competição não é o contrato para lançar um CD, mas um papel na montagem brasileira do musical Aída, que deve estrear no ano que vem.
As primeiras audições para o espetáculo aconteceram na segunda-feira e foram a peneira inicial para escolher o coro da história da princesa que acaba escravizada. “É uma grande história de amor, mas que fala de consciência, de amizade, de guerra e de etnias”, contou o produtor cultural Zeca Campos, sobre o musical da Disney com composições de Elton John, que nasceu da famosa ópera de Giuseppe Verdi.
Campos também disse que Thalma de Freitas é uma das interessadas no papel principal da montagem. “Ela teve uma coisa tão bonita, de humildade. A Thalma vai passar por testes como qualquer ator”, derreteu-se, para em seguida reclamar da falta de inscrições para viver a princesa. “Recebemos pouco mais de 20 pedidos para interpretar Aída. Acho que as pessoas têm medo de tomar posições”, alfinetou.
Enquanto estrelas como Saulo Vasconcelos, cultuado por seu trabalho em O Fantasma da Ópera, memorizavam seu texto e esperavam o momento de brilhar, novatos se espremiam para decorar coreografias e músicas.
No processo de seleção, os candidatos - primeiro os homens e depois as mulheres -, passavam por uma prova de canto. Os que venciam o desafio aprendiam os passos para a análise da dança. Na sala de audição, o diretor musical Guilherme Terra (de Sweet Charity) e o diretor geral Fabiano Vanucci (participou da montagem de Miss Saigon), diziam poucos ‘sim’. Em 12 provas acompanhadas pela reportagem, apenas três garotas conseguiram o ‘bilhete mágico’ para mostrar seus dotes de bailarinas.
“É um musical que eu gostaria muito de fazer”, contou Thaís Uessugui, 29 anos, que impressionou tanto os diretores que ganhou chance para brigar por um dos grandes papéis do espetáculo. “Sempre é uma batalha, cheguei quase até o final de Miss Saigon, mas fui eliminada”, disse a cantora de Brasília, uma das poucas sortudas.
Para os ‘juízes’, que estavam avaliando candidatos desde as 8h da manhã, a missão também é difícil. “No começo, a gente tenta ter mais cuidado com as pessoas, mas agora, quando percebemos que não vai dar, falamos logo”, explicou Guilherme Terra, quase 12 horas após o início da peneira. “Mas as mulheres, em geral, chegam melhor preparadas do que os homens.”
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