Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa

Masp na encruzilhada

Fonte: Folha de S. Paulo
 

Em seu 60º aniversário, museu apresenta acervo com nova configuração e busca soluções para os problemas financeiros; dívidas chegam a R$ 10 milhões



TEREZA NOVAES
DA REPORTAGEM LOCAL

O Masp completa 60 anos amanhã. Símbolo da cidade e dono do mais importante acervo da América Latina, o Museu de Arte de São Paulo inicia as comemorações de seu aniversário com uma nova exposição de sua coleção.
"A Arte do Mito" será inaugurada amanhã, em solenidade para convidados, na qual haverá ainda a primeira exibição de um retrato de Assis Chateaubriand, o fundador da instituição, pintado em 1954 pelo artista russo radicado no Brasil Dimitri Smailovitch. O público terá acesso à mostra na quarta.
Trata-se de uma nova proposta de exibição da coleção, que substitui a divisão cronológica e por escolas que era utilizada para apresentar o acervo.
O rearranjo marca o trabalho de Teixeira Coelho, que há pouco mais de um ano assumiu o cargo de curador-chefe.
Os 60 anos da instituição assinalam também a busca de soluções para a crise financeira.
O museu tem dívidas de R$ 10 milhões, metade desse valor já negociado e parcelado, de acordo com o arquiteto Júlio Neves, presidente do Masp.
A expectativa da instituição é que os problemas sejam resolvidos com atividades relacionadas ao edifício Dumont-Adams, antigo prédio residencial e vizinho do museu, adquirido pelo Masp com recursos doados pela operadora de celulares Vivo.
O plano inicial, a construção de uma torre de 125 metros no local, foi vetado pela prefeitura.
Agora, o Compresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) sinalizou positivamente para um novo projeto: a criação de uma escola do museu em parceria com universidades, além de espaço para escritório, ateliê de restauro, restaurante e loja.
Não há uma data definida para o início da reforma nem para a inauguração. Neves estima que custará entre R$ 10 milhões e R$ 15 milhões.
Outra possibilidade em estudo é a criação de um grupo de mantenedores que ajudaria o museu com contribuições anuais. É mais um projeto sem data para começar.
Curador reorganiza obras do acervo

Quatro temáticas orientam novo sistema para exposição das peças do acervo; até abril segundo andar será modificado completamente

"A Arte do Mito" dá início ao novo formato de exibição; Teixeira Coelho pretende investir ainda em mostras temporárias internacionais

DA REPORTAGEM LOCAL

Quem conhece o acervo do Masp talvez não note grande diferença com a inauguração da exposição "A Arte do Mito", que poderá ser vista pelo público a partir da próxima quarta.
Mas, quando o quarto e último módulo da série, "A Arte Religiosa", entrar em cartaz, em abril do ano que vem, a mudança será bastante nítida.
Isso porque a nova configuração das obras do acervo está sendo gradual. "A Arte do Mito" ocupa apenas 25% da sala, ao fundo do segundo andar. O restante permanece mais ou menos como antes. Os outros dois temas são "A Natureza das Coisas", com paisagens e naturezas-mortas, e "Ver e Ser Visto", que enfoca retratos.
A idéia do curador-chefe, Teixeira Coelho, que assumiu o cargo há 14 meses, é eliminar a apresentação cronológica e por escolas que até agora organizava a coleção. "A vantagem do corte temático é que assim fazemos um contato direto, uma aproximação entre as obras que não tem barreiras", explica.
Houve ainda outras mudanças no salão do segundo andar. As novidades são as paredes pintadas com cores que absorvem a luminosidade e a mudança nos painéis que exibem as telas, que ganharam disposição diferente e abriram corredores de ponta a ponta da sala. "É uma vasta avenida, que reproduz um pouco os cavaletes da Lina", compara Teixeira.
Os famosos cavaletes de Lina, aliás, não estão nos planos imediatos do curador. "Os cavaletes são coisa do passado. Não dá mais. Eles quebravam sozinhos. Às vezes, de manhã, os funcionários encontravam as obras no chão", diz Coelho. Ele não descarta, porém, usá-los em outras ocasiões, como na mostra de Alex Flemming, realizada neste ano.
Segundo ele, a reconfiguração permitirá um pequeno aumento no número de obras expostas. Ao término, serão cerca de 260 peças -ainda muito pouco diante das 8.000 que compõem a coleção do museu.
"Deveriam colocar um busto do Ciccilo Matarazzo e um do Chateaubriand em cada esquina da Paulista", brinca Teixeira, que é professor de política cultural da ECA-USP.
As doações do primeiro formam a coleção do MAC-USP, que Teixeira já dirigiu; a do segundo deram origem ao acervo que ele dirige atualmente.
Além do acervo renovado, o Masp deve continuar realizando mostras temporárias.
"Da Bauhaus a (Agora!)", no subsolo, e "Arte e Ousadia - O Brasil na Coleção Sattamini", no primeiro andar, ficam em cartaz até o dia 28. A próxima grande inauguração será a tradicional mostra de fotos da Coleção Pirelli, em dezembro. Outras novidades só em 2008. (TEREZA NOVAES)

ELES FAZEM O MUSEU

Conheça quatro funcionários do Masp

O ARTE-EDUCADOR
Paulo Portella, 56, iniciou o projeto de arte-educação no museu há dez anos. "Quando cheguei, fiz o trabalho de dez anos em um", conta. Hoje, com uma equipe de 11 profissionais, ele realiza atividades para crianças e professores, que são assessorados com aulas gratuitas de arte

O MAIS ANTIGO
Luiz Hossaka, 79, é o funcionário mais antigo do museu; está lá há 57 anos e não pensa em se aposentar. Ele fotografou as obras, foi programador do cinema e trabalhou com Lina Bo Bardi na mostra "A Mão do Povo Brasileiro", que abriu o Masp na Paulista em 1969

A GUARDIÃ DE BARDI
Ivani Di Grazia Costa, 57, chegou ao Masp como voluntária, 26 anos atrás. Passou a fazer pesquisas para Pietro Maria Bardi e se tornou discípula do "professor". Durante sete anos, cuidou da biblioteca doada por ele ao museu sozinha; no início, eram 25 mil livros, hoje são 60 mil

A ESCOLHA DE SOPHIA
Perguntar para Eunice de Moraes Sophia qual é a sua obra favorita do Masp é quase a morte. "É como a escolha de Sofia", diz a chefe do acervo. Eunice conhece todas as obras -de algumas, lembra-se até do número de registro. "Muita gente pagaria para fazer o meu serviço"

"Por mim, saía ontem", diz presidente do Masp

Aos 75, Júlio Neves afirma que não tem interesse em continuar à frente do Masp e que não pretende se reeleger em 2008

Atual presidente foi eleito pela primeira vez em 1994 e já ganhou sete pleitos; sua gestão é criticada por profissionais das artes

DA REPORTAGEM LOCAL

O Masp entrou na vida do arquiteto Júlio Neves quando a atual sede ainda estava em construção. Em 1967, o brigadeiro Faria Lima, na época prefeito de São Paulo, convocou o então diretor do Instituto de Arquitetos para uma missão: acompanhar as obras do novo edifício na avenida Paulista.
"Ele chegou para mim e falou assim: "Você não quer ir lá no museu que estamos construindo na Paulista? Mas vai lá e vê se consegue fazer essa mulher gastar menos dinheiro". Era a Lina [Bo] Bardi", lembra Neves.
O futuro presidente do Masp não conseguiu fazer com que Lina gastasse menos. "Ela não estava nem aí", diz ele.
"Lina era uma pessoa de uma personalidade extraordinária, ela fez o que ela achou que tinha de ser feito, e o Figueiredo Ferraz viabilizou", conta, destacando o engenheiro que calculou a estrutura do prédio.
A construção já estava avançada, e Neves permaneceu até o seu término, quando foi convidado para entrar no conselho.
A primeira eleição que ele ganhou para a presidência do Masp foi em outubro de 1994. Foi vitorioso nas seis que se sucederam. Na primeira, tinha o objetivo de "pacificar" as duas tendências que brigavam dentro do museu -de um lado estava José Mindlin, do outro, Roberto Costa de Abreu Sodré.
"Era amigo de todos. De repente, saiu uma briga danada lá. E o pessoal mais ligado ao Sodré e ao Mario Pimenta achou que deveria me candidatar. Falei: "Tá bom, fico por dois anos, depois vocês assumem". Só que morreu o Mario Pimenta e depois o Sodré", conta.
O escritório do arquiteto assina projetos como o prédio da Fecomércio, na Bela Vista. Neves já ocupou a presidência da Nossa Caixa, entre 1970 e 1971, convidado pelo então governador Sodré. Sua gestão à frente do museu tem recebido críticas de profissionais ligados à arte.

Chega
Aos 75 anos, ele afirma que não pretende se reeleger presidente do Masp em 2008. "Por mim, eu saía ontem. Não tenho interesse. Chega", afirma.
Mas, quando o assunto é sua sucessão, ele tergiversa e discursa sobre a necessidade de profissionalização. "O problema do Masp é uma questão de sustentabilidade. A diretoria tem de ser remunerada, executiva, o museu não pode depender de mim, do A ou do B."
Por ser uma organização sem fins lucrativos, o Masp não paga os dirigentes. Neves, que descreve sua rotina como "trabalho, trabalho e trabalho", garante que metade de seu tempo é dedicado ao museu. A manutenção do prédio, que passou por grande reforma em sua gestão, é uma das principais contribuições que crê ter dado ao Masp. Evoca o arquiteto Rino Levi para situar a importância dos cuidados com o prédio: "Ele dizia com aquela voz: "Arquitetura moderna, se não tiver manutenção adequada, dá ruínas belíssimas'". (TEREZA NOVAES)
Para Neves, pareceres técnicos orientam museografia

DA REPORTAGEM LOCAL

A Folha convidou curadores, galeristas e diretores de museus e de algumas das principais instituições culturais do país para fazer perguntas ao presidente do Masp, Júlio Neves. Veja a seguir a entrevista.

MARCELO ARAUJO, diretor da Pinacoteca do Estado - Em sua visão, qual será o futuro do Masp nos próximos 60 anos?
JÚLIO NEVES
- Lamentavelmente, não estarei aí para conferir. Gostaria, em primeiro lugar, que essa coleção do Masp estivesse em estado tão bom quanto ela está hoje, que ela estivesse perfeitamente conservada.
Em segundo lugar, que o acervo conseguisse ser multiplicado em algumas vezes durante esses 60 anos. E, em terceiro, que isso servisse para as próximas gerações como ensino.

LISBETH REBOLLO GONÇALVES, diretora do Museu de Arte Contemporânea da USP - Que relações existem entre o Masp dos primeiros tempos e a ação que hoje ele projeta para a sociedade brasileira?
NEVES
- O Masp exerceu um papel na cultura do Brasil fundamental e pioneiro. E hoje, graças a Deus, há outras entidades que fazem esse trabalho. Esse trabalho pioneiro foi realmente seguido e aumentado por todas essas entidades. Gostaríamos de ser sempre pioneiros. Diversas coisas começaram no Masp, como a ESPM, a Mostra de Cinema. Mas, hoje em dia, com a grande produção cultural, é importante que todos façam. Não desistimos, não pela tradição ou pelo orgulho. O Masp tem condição por causa da marca, o museu tem um respeito mundial.

RAQUEL ARNAUD, galerista - Depois dessa experiência de 60 anos, o Masp pretende assumir uma atitude mais profissional, com cargos especializados definidos?
NEVES
- É o que a gente tem feito. Obviamente é o que a gente gostaria de fazer, até porque as administrações não podem se eternizar. É muito importante ter para as próximas gerações. Com certeza, é isso que a gente tem buscado.

FOLHA - Há um prazo?
NEVES
- Em um país como o Brasil, é difícil. Gostaria que fosse no menor prazo possível. Mas, lamentavelmente, quando você depende de recursos financeiros e de outras pessoas, a fixação de prazos... O museu é atemporal, tem de estar aqui daqui cem, 200 anos.

FOLHA - É preciso fazer uma mudança no estatuto?
NEVES
- Precisa de uma adequação de estatuto para que você possa fazer. Essa questão de ter uma entidade sem fins econômicos no Brasil, que faz com que você não possa remunerar seus dirigentes, é um fator limitador. Somos no fundo testamenteiros daqueles que fundaram o museu. Queremos que o museu prossiga na linha que eles fizeram, mas dentro de uma estrutura profissional.

RICARDO OHTAKE, diretor do Instituto Tomie Ohtake - Um grande problema do Masp é a perda daquele intenso movimento cultural da época do professor Pietro Maria Bardi. A infra-estrutura se resolveu, embora desobedecendo aos princípios de Lina Bo Bardi, a programação está parcialmente encaminhada com a criação da curadoria, mas como se resolve a outra parte: a obtenção de recursos financeiros a curto e médio prazos? O sr. recorreu à elite econômica e social de São Paulo para contribuir com o desenvolvimento do museu e, mais particularmente, para o aumento de seu acervo? NEVES - Em primeiro lugar, quero convidar o Ricardo para voltar [ele já foi conselheiro do museu] e nos ajudar. Independentemente do trabalho que ele está fazendo no instituto, ele tem um "sponsor" [patrocinador] lá e foi uma coisa muito importante o que eles fizeram.
Mas não é o trabalho de um presidente, é o trabalho de um grupo. Uma pessoa sozinha não consegue tocar um museu da importância do Masp. E hoje o Masp não é mais único. Na época do Bardi, o museu era sozinho, não tinha outro. Com a atuação do próprio Tomie Ohtake, da Pinacoteca e de outros institutos, como o Itaú e o Moreira Salles, seria até uma pretensão dizer que nós estamos fazendo a mesma coisa que o Bardi fez. Na área cultural e na área da curadoria, estamos fazendo um trabalho extremamente importante e de grande qualidade e competência.

PAULO HERKENHOFF, curador - Em um país em que muitos museus só atuam como centro cultural, o Masp, que tem um acervo extraordinário, precisa adquirir obras para continuar preenchendo da maneira possível suas lacunas da história da arte. Quais obras importantes entraram para o acervo da instituição à altura do legado de Assis Chateaubriand e Bardi nesse período? Como esse número de obras, essas peças e essa possível descontinuidade afetam positiva ou negativamente a missão do Masp?
NEVES
- Gostaríamos de aumentar [o acervo] e obviamente isso não vamos conseguir, nem temos ilusão de aumentar dentro do porte daquilo que foi conseguido pelo Chateaubriand e pelo Bardi no pós-guerra, porque hoje uma obra dessas provavelmente custaria mais caro que um museu brasileiro. O valor de uma obra dessas talvez fosse suficiente para construir um prédio para um museu. Quanto às doações, tem uma porção de coisas, não quero destacar uma ou outra porque estaria fazendo um juízo de valor. Recebemos em doação um retrato de Chateaubriand.
Não é o valor intrínseco do quadro, mas o valor para o museu de um quadro do nosso fundador pintado em 1954. Não está na mesma categoria dos demais da coleção, mas no simbolismo é extremamente importante. O Olney Kruze doou a coleção do kistch, que não vale a mesma coisa [que o resto do acervo]. O Aloísio Faria [banqueiro] nos deu um tríptico, uma coisa fabulosa, o cardeal Dom Claudio Humes [atualmente prefeito da Congregação para o Clero, espécie de "ministro" do papa] foi lá para inaugurar. No Brasil, nenhuma igreja tem uma obra tão importante quanto esse tríptico de 1500, mais velho que o Brasil. Cada caso é um caso. Não quero entrar no juízo de valor, claro que continuamos recebendo. Se quando fomos para a Paulista tínhamos 600, 700 peças e hoje temos 8.000... Claro que ele tem toda razão, isso tem que ser feito e ampliado e é da maior importância.

MARTIN GROSSMANN, diretor do Centro Cultural São Paulo - A arquitetura e o projeto museográfico do Masp são considerados por especialistas como um marco de uma nova concepção de museu de arte em permanente diálogo com a cidade e seus transeuntes. Trata-se de uma prova real e audaciosa que a vanguarda do século 20 também se deu na periferia da cultura eurocêntrica. Por que manter uma museografia de século 19, no lugar do projeto original e radical de Lina Bo Bardi que permite que o museu seja fruído como uma obra de arte aberta, em permanente diálogo com o visitante?
NEVES
- Aí as opiniões estão divididas. Essa é a opinião dele [Martin Grossmann], e respeito, mas não é a minha. Não estou de acordo em dizer que voltamos a uma museografia do século 19. Se estiver se referindo à forma como o acervo está sendo exposto, no segundo andar, queria dizer que esses painéis existem nos principais museus do mundo. Para falar de forma objetiva, deve estar se referindo aos painéis da Lina.
Há pareceres técnicos, feitos pelo Luiz Marques e Luiz Hossaka [funcionários do museu], com as razões pelas quais se adotou esse sistema. É uma técnica contemporânea, não acredito que seja do século 19, mas do século 21. É um engano dele.

EMANOEL ARAUJO, diretor do Museu Afro-Brasil - Por que o sr., como arquiteto, não respeitou nem a museografia nem o próprio edifício de sua colega de profissão?
NEVES
- Está respondido na pergunta anterior. Parece que o museu é meu e estou fazendo as coisas da minha cabeça. Isso foi feito com base nos pareceres. E em relação à arquitetura não mexemos em nada. Nós simplesmente adaptamos o edifício às condições climáticas, que ele [Emanoel] sabe perfeitamente que são necessárias, condições ambientais, internas do museu, controle de umidade etc. Vamos separar: na questão do prédio, nós adaptamos às condições de hoje, com o maior respeito em relação a tudo o que foi feito, juntamente com os órgãos de preservação. Em relação à museologia, é a resposta anterior. Isso não é uma coisa individual minha.

MARCIA FORTES, galerista - Por que o sr. não deixa a direção do museu para quem entende e respeita a arte?
NEVES
- Não vou responder, porque é uma pergunta mal-educada. É a opinião dela.