Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa

A honorável sra. Ono

Fonte: O Estado de S. Paulo

Feminista? Surrealista? Transgressora? Zen? Performática? Eterna viúva? Qual é a melhor faceta dessa inquieta senhorinha japonesa chamada Yoko Ono? Ela está em São Paulo e, claro, aos 74 anos, não pára de 'causar'. Hoje, pretende 'aprontar' uma de suas performances no palco do Municipal e, no sábado, inaugura uma abrangente retrospectiva no CCBB

Camila Molina

A produção artística de Yoko Ono é muitas vezes eclipsada por sua figura. A viúva do ex-Beatle John Lennon (assassinado em 1980) é artista multifacetária: nascida em Tóquio, em 1933, tem uma produção na área das artes plásticas desde a década de 1950 e, ainda, é nome também da área musical - em entrevista ao Estado, ela se gabou de ter seus dois últimos álbuns, lançados em 2007 - Yes, I'm a Witch e Open Your Box - na 'lista dos top 10'. Mas agora, em São Paulo, tem-se a oportunidade de mergulhar um pouco mais em suas criações artísticas. Hoje à noite, às 21 horas, ela realiza a performance Uma Noite com Yoko, no Theatro Municipal, e no sábado ela inaugura no Centro Cultural Banco do Brasil a exposição Yoko Ono - Uma Retrospectiva, que, como diz o título, perpassa sua carreira por meio de uma seleção de cerca de 70 de suas obras, incluindo vídeos e registros de performances, criadas entre a década de 1960 e 2005.

Sobre a performance no Municipal, não é possível saber muito. 'Se eu explicar em palavras o que fica? Performance é algo muito físico', afirma Yoko. Mas sobre a mostra, que ficará em cartaz apenas em São Paulo, é possível conversar. A exposição, com curadoria de Gunnar Kvaran, crítico islandês e diretor do Astrup Fearnley Museum, em Oslo, já foi vista na cidade norueguesa em 2005.

Como diz o curador, a exposição se articula a partir de dois eixos: a reunião dos trabalhos da série Instructions for Paintings (Instruções para Pinturas), que a artista iniciou na década de 1950 e realizou até 1996, e os objetos. Sobre os Instructions, estão na mostra 36 deles, criados a partir de 1962. O trabalho, exibido nas paredes, são réplicas de papéis (porque a artista pedia que eles fossem destruídos depois de copiados) onde Yoko escreveu, em japonês, 'como haikais', diz Gunnar, instruções simples e poéticas para o público fazer (estão traduzidas). 'É um trabalho que trata da arte no estado da idéia e que pede nossa colaboração', diz o curador. Criadora, que se define como artista conceitual, Yoko produz muitas obras que pedem essa participação do visitante ou de outros artistas, como no trabalho Water Event (1971) apresentado aqui em versão de 2005 na qual participaram os brasileiros Cildo Meireles e Rivane Neuenschwander.

Estão também no CCBB o Add Color Painting (1960) - duas grandes telas em branco poderão ser pintadas - e Painting to Hammer a Nail (1961) - em que objetos martelados, quebrados, poderão ser reconstituídos pelo público. Já Wish Tree for Brazil, na entrada, é depositário dos desejos escritos pelo público e na grande instalação Morning Beams, que ocupa todo o hall do CCBB, há cordas e pedras que poderão ser colocadas em duas caixas, uma para os bons pensamentos, outra, para os maus. Está também a célebre obra Ceiling Painting (Yes Painting), que seduziu Lennon: ao subir uma escada branca de madeira, damos de encontro com a palavra 'sim'.

Há também instalações que não pedem participação. Endangered Species, representa, em caixas, os últimos pensamentos de uma família carbonizada. Há uma carga surrealista, feminista e até violenta também em suas obras. Em Half-a-Room, tudo de um quarto está ao meio. Nos Blood Pieces (anos 80), objetos do cotidiano familiar, especialmente, feminino, fundidos em bronze, estão rajados de vermelho - o único masculino é uma camisa com uma bala no peito, menção à morte de Lennon. 'Não quero minha obra em porão de museu'

Em conversa com o Estado, Yoko Ono fala sobre sua produção e impressões

Camila Molina

São Paulo é uma cidade que, até agora, Yoko Ono conhece apenas pelo vidro dos carros que a levam para seus compromissos. Mas, mesmo assim, ela, com seus 74 anos, sente a vibração da megalópole, quer conhecê-la melhor em um tour que vai realizar amanhã pela cidade - e depois ela vai para o Rio. Até hoje a artista, pela primeira vez em São Paulo (em 1998 Yoko esteve em Brasília, onde realizou uma exposição, também apresentada em Salvador), esteve focada na montagem de sua atual mostra retrospectiva e nos ensaios para a performance Uma Noite com Yoko, que vai realizar hoje à noite no Theatro Municipal (com projeções, música e sua atuação no palco). A reportagem do Estado conseguiu ontem 15 minutos de conversa exclusiva com a inquieta artista, ícone pop incontestável do século 20.

linkVeja galeria de fotos da exposição Yoko Ono - Uma Retrospectiva

Em uma sala nos bastidores do Municipal, antes de um dos ensaios, Yoko Ono estava sentada em uma grande poltrona escura. Vestida de preto e de óculos escuros que encobriam metade de seus olhos, ela respondeu às perguntas de uma maneira comedida e curta - num misto de certo distanciamento e de polidez. A seguir, Yoko comenta sua arte e suas impressões.

Em 1998, sua exposição em Brasília tinha como título Wish Tree for Brazil (Árvore dos sonhos para o Brasil). Agora, um nova árvore dos sonhos será colocada bem na entrada do Centro Cultural Banco do Brasil para os visitantes deixarem lá escritos em pedaços de papel seus desejos. Aqueles sonhos de dez anos atrás se tornaram realidade?

Sim, sonhos sempre se tornam realidade, simplesmente, porque acontece, porque sim. Coloco a árvore dos sonhos em todos os países onde faço exposições. Os desejos colocados antes são guardados e outros serão agora colocados. Depois, todos são reunidos e levados para a Islândia para integrarem o Imagine Peace Tower, meu trabalho instalado lá.

Quais as mudanças que a sra. vê no Brasil de quase uma década atrás e agora?

Gosto de São Paulo, talvez, porque ela vibra. Brasília é muito bonita, futurista, fantástica, mas mais quieta. E São Paulo é muito viva, amo isso. Gosto dos prédios antigos daqui também.

Seu trabalho sempre é ligado a questões políticas. Sobre o Brasil, a sra. tem alguma opinião sobre o atual governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva?

Não quero pensar que ele seja de um governo do establishment político. Não podemos trabalhar no establishment. Não tenho idéia sobre ele e seu governo. Você conhece aquela expressão, 'grassroots power' (poder popular)?

A sra. acredita que este seja um momento de apatia, de indiferença? Momento em que as pessoas não têm ações políticas, poder político? Seus trabalhos de arte pedem a participação do público...

Isso não acontece somente no Brasil, acontece em todo o mundo. As pessoas estão confusas e com medo. E nós temos que deixar de lado o medo.

O que a sra. pensa do radicalismo na arte? Acha que é necessário ser radical na arte?

Na arte? Não acho necessário. Acho que a arte é bonita em diversas maneiras. Algumas artes radicais são bonitas, outras não. Mas é sempre importante.

Uma característica muito forte em suas obras é a relação com o surrealismo. Como vê essa conexão?

Sou uma artista conceitual e o surrealismo faz parte disso.

Mas acredita que o dado surrealista nas obras pode encobrir ou não deixar explícita a potência política do trabalho?

Você pode dar mensagens políticas com o surrealismo também, é claro. Pode passar mensagens de uma maneira conceitual também. Um de meus últimos trabalhos é o Imagine Peace Tower. É lindo, você pode experimentá-lo quando for para a Islândia, onde ele está, mas pode participar dele também apenas imaginando-o, pensando nele. Isso é conceitualismo.

O curador Gunnar Kvaran disse que seu único pedido foi que não ficassem de fora da exposição em São Paulo os Blood Pieces (Objetos de Sangue). Por quê?

Gunnar fez a curadoria da exposição em Oslo e todas as outras obras estiveram lá. Quis apenas que fossem mostrados os trabalhos de sangue porque eles tratam das mulheres, de como elas sofrem. Mas pensei, em um momento, que os homens sofrem também e por isso quis colocar uma camisa masculina no trabalho. Quero mostrar essa obra porque ela enfatiza o sofrimento das mulheres, porque isso não é falado com freqüência. Sempre se fala dos soldados que foram mortos, etc., mas e sobre as mulheres que sofrem em silêncio?

Há muito de feminismo em seus trabalhos, especialmente na obra Vertical Memory. Acredita que há um equilíbrio entre a questão do feminino e do masculino em suas obras?

Muitos dos meus trabalhos falam do masculino também. Não é algo fechado.

A sra. pensa em produzir alguma obra para o Brasil, a partir de sua experiência aqui?

Eu não sei. Porque sinto que sempre um museu compra uma obra e a coloca no porão. Quero sempre que meus trabalhos estejam em exposições, para que as pessoas os vejam. Esse é meu interesse.

Serviço:

Yoko OnoPerfomance. Theatro Municipal. Praça Ramos de Azevedo, s/nº, 3223-8698. Hoje, 21 h.R$ 60 a R$ 200Exposição. Centro Cultural Banco do Brasil. Rua Álvares Penteado, 112, 3113-3651. 3.ª a dom., 9 h às 20 h. Grátis. Até 3/2/2008. Abertura sábado, 11h, para convidados

Maldição e bênção pairam sobre a artista

Filha do zen e do happening, ela parece presa a uma fórmula

Jotabê Medeiros

Não é um ato de muita originalidade odiar Yoko. Duro mesmo é achar alguém que goste dela ou de sua arte.

É provável que essa retrospectiva da artista japonesa no CCBB permita que se aprofundem tanto a rejeição quanto a admiração.

Admiração pela profunda coerência de seus pressupostos zen, que vêm de 1955. Ela constrói suas 'instruções' como se fossem haicais, e os espalha pelas paredes do centro cultural: 'Caminhe sobre as pegadas da pessoa à sua frente: 1) no chão; 2) na neve) 3) no gelo; 4) na água. Tente não fazer barulho. Yoko Ono, Primavera de 1964.'

Em contrapartida, sua presença aqui permitirá a exteriorização do desprezo pelo que alguns chamam de 'picaretagens' - as instalações óbvias, ready-mades pobres, o discurso 'populista', ou as muitas 'bobagens' (como as fotos de uma vagina e um seio da obra intitulada Minha Mamãe É Linda). É ela mesma quem põe gasolina na fogueira, ao dizer, sobre a instalação Water Event: 'A água pensa, sente e cura.'

O curador Gunnar Kvaran explicava na manhã de ontem, um pouco antes do encontro de Yoko com uma centena de jornalistas, no CCBB, que uma das perspectivas da arte da viúva de Lennon é anticomercial. Para Kvaran, ela prioriza o valor da idéia e, por conseguinte, diminui o valor do objeto (fetiche comercial das galerias e dos colecionadores).

Filha do happening dos anos 60, avó espiritual de Bjõrk, Cibelle e Devendra Banhart, a arte de Yoko incita à liberação, mas parece presa a uma fórmula discursiva, não tem responsabilidade formal.

Ela explora pintura, escultura, desenho, instalação e performance (e música popular). No grande átrio do CCBB, uma cascata de cordas brancas vem de uma roldana no terceiro andar e vai se abrindo até ser presa no chão. Em Ceiling Painting (1966), uma sala guarda uma escada de pintor de paredes e, no teto, uma lupa e um quadrado pendem do teto, pendurados.

E os Beatles. Os Beatles são a maldição e a bênção de Yoko. Ela será sempre a viúva de Lennon, quer queiram quer não. Esse é o paradoxo subjacente à sua presença: sem o carimbo Lennon, que tipo de curiosidade despertaria seu trabalho, cuja noção de 'obra aberta' parece presa a certo período histórico?

'Eu era artista antes de John, fui artista durante os anos que vivemos juntos e sou artista agora', ela disse, em 1998, na primeira vez que veio ao Brasil.

Yoko detesta perguntas demais sobre os Beatles. Mas sua vida está irremediavelmente atada ao destino da banda (tanto é que até o presidente do fã-clube dos Beatles, Marco Antonio Malagolli, estava lá ontem na coletiva). Yoko usava chapéu laranja e blusa e calça pretas. Como John ensinou, ela usa a celebridade como trunfo pessoal.

E quando foi exatamente que Yoko acabou com os Beatles? No livro Beatles Antologia, a biografia da banda, fica claro que o casal se sobrepõe à união do quarteto após a gravação de The Ballad of John and Yoko, em 1969. George Martin considera que essa gravação é o ponto em que John deixa de ser um beatle e passa a ser apenas Lennon. Os outros beatles concordaram. 'Eu não liguei por não ter sido convidado para o casamento e não liguei por não estar na gravação, porque não era da minha conta. Se fosse The Ballad of John, George and Yoko, então eu estaria nela', ironizou George Harrison.