Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa

Sexta-feira, 7 de Agosto de 2015 | Horário: 13:47
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Documentário de Lúcia Murat retrata a luta de tribo indígena do Mato Grosso do Sul por suas terras

“A Nação que Não Esperou Por Deus” ganha exibição gratuita nas bibliotecas Alceu Amoroso Lima e Mário Schenberg

Com co-direção de Rodrigo Hinrichsen, o filme retrata a persona guerreira dos índios

Por Gabriel Fabri

O longa-metragem de ficção “Brava Gente Brasileira” (2000) contou com a participação dos índios Kadiwéu, tribo que vive no Mato Grosso do Sul. Dez anos após a filmagem, a cineasta Lúcia Murat (“A Memória Que Nos Contam”) retornou à região e se surpreendeu com a chegada da luz elétrica. Surgiu então a ideia de realizar “A nação que não esperou por Deus”, documentário co-dirigido por Rodrigo Hinrichsen e que chega a duas bibliotecas públicas em agosto. Em parceria com a Taturana Mobilização Social, o filme integra o projeto “Em Cena: Debates Contemporâneos” e é exibido dia 19, na BP Alceu Amoroso Lima, e dia 28, na BP Mário Schenberg. 

Lúcia explica que, no início, tinha a intenção de focar a opressão cultural sofrida pelos índios e a sobrevivência da tribo. “Obviamente é fantástico você ter luz elétrica, mas com ela vêm a telenovela, o reality show, e eu me assusto tremendamente com a mudança cultural e o massacre ideológico que isso representa”, declara. Mas quando chegou no Mato Grosso do Sul em 2013 para filmar efetivamente o documentário, foi surpreendida com a informação de que os Kadiwéu tinham partido para a tomada de suas terras que foram invadidas, ao longo dos últimos quarenta anos, pelos pecuaristas. Lúcia então se deparou com um outro lado dos índios: a persona guerreira. Justamente o retratado em “Brava Gente Brasileira”, filme ambientado no Brasil do século XVIII. “Eu acho que tem muito em ‘A Nação... ’ essa coisa da sobrevivência apesar de tudo, de se reinventar”, afirma. 

Para a cineasta, hoje existe uma total falta de compreensão da cultura do índio. “Não só falta entendimento, como há uma resistência muito grande a ela”, pontua. Ela vê uma relação esquizofrênica no mundo urbano, pois existe uma visão romântica e idealizada do indígena, ao mesmo tempo em que há um desprezo pela situação atual das tribos. “Todo mundo acha lindo ter uma bisavó índia e fica por aí mesmo, é como se aquele mundo tivesse terminado”, ironiza a cineasta. Mas Lúcia acentua que as comunidades não deixaram de existir e enfrentam problemas sérios, envolvendo conflitos por terras. “Acho que as pessoas simplesmente não querem olhar isso, até porque é difícil de olhar mesmo”, alfineta.  Assim, “A nação que não esperou por Deus” pode ser considerada uma pequena tentativa de inserir a questão indígena no debate político. “É muito frustrante você ver que não há um interesse em relação a essa questão, não há mesmo”, completa.

Como tinha mantido contato com a tribo desde a filmagem de “Brava Gente...”, Lúcia não teve muitas dificuldades para se relacionar com os Kadiwéu neste retorno. Entretanto, ela ressalta que lidar com outra cultura é sempre complicado. “Ao mesmo tempo, você conseguir lidar com as diferenças é a grande atração dessa história toda”, explica. Lúcia se recorda de alguns problemas que teve durante as filmagens. Ao tentar projetar para a tribo “Brava Gente Brasileira”, por exemplo, enfrentou a resistência de evangélicos fundamentalistas pelo fato do filme mostrar índias com os seios descobertos. Em 1999, havia uma Igreja evangélica – hoje, são cinco, e quase a totalidade da tribo segue essa religião. “A gente não pode considerar a comunidade como se ela fosse isolada da realidade brasileira. Eles estão inseridos em uma sociedade em que isso é um fenômeno real”, afirma a cineasta, que considera assustador o fundamentalismo de algumas dessas igrejas. 
 
Ainda sobre o contato com os Kadiwéu, Lúcia explica que foi necessária uma negociação constante para conseguir gravar o que ela e Hinrichsen queriam. “Eu de maneira nenhuma chegava lá, pegava a câmera e saia filmando, tudo é negociado”, afirma. A diretora se lembra de viajar seis horas para filmar uma reunião entre os índios e os pecuaristas e, ao chegar no local, ter sido impedida de gravar. “O que me impressionou nesse episódio foi a capacidade do cacique de lidar com os conflitos a favor deles”, revela. Na ocasião, Lúcia só pode entrar na reunião quando o índio Adhemar achou que as coisas estavam mais ou menos estabelecidas a seu favor. “Ele me apresentou então para uma das pecuaristas – essa é Lúcia Murat, nossa amiga – e a mulher ficou apavorada”, conta a cineasta, rindo. 

Esse encontro acabou não entrando na edição final do filme, mas as filmagens de outra reunião com os pecuaristas sim. “Eu acho incrível aquela cena mesmo, porque demonstra uma prepotência dos fazendeiros e um desprezo pelos índios, ainda por cima na terra deles”, declara a diretora. A relação conflituosa dos índios com o agronegócio é cerne do tema que Lúcia considera mais urgente hoje: a demarcação das terras indígenas, comum a todas as tribos. “Sem o território é impossível a continuidade das tribos”, explica. 

O longa-metragem traz também trechos do Relatório Figueiredo, que reúne sete mil páginas de documentos sobre violação de direitos e até extermínio de índios na ditadura. Entre eles, Lúcia achou uma proibição dos anos 1950 da venda de terras indígenas do Mato Grosso do Sul aos pecuaristas. “A alegação dos pecuaristas é de que as terras foram vendidas pelo Governo do Estado, uma coisa que foi proibida. Está lá, tem o documento”, ressalta a cineasta.

Serviço: Diversos Espaços. Grátis.  
| BP Alceu Amoroso Lima. Av. Henrique Schaumann, 777, Pinheiros, Próximo da Praça Benedito Calixto. Zona Oeste. | tel. 3082-5023 e 3063-3064. Dia 19, 16h  
| BP Mário Schenberg. R. Catão, 611, Lapa. Zona Oeste.| tel. 3672-0456 e 3675-1681. Dia 28, 16h  

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