Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania

Quarta-feira, 22 de Janeiro de 2025 | Horário: 11:27
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A São Paulo de 471 anos também comemora 111 anos de feiras livres

De um núcleo original de cinco feiras no centro, a cidade que faz aniversário no dia 25 de janeiro tem hoje 968 feiras livres que se tornaram ponto de confraternização e atração cultural em praticamente toda a capital paulista
Trabalhadores em feira na praça General Osório, 1913. Fotógrafo desconhecido. Acervo de Francis Manzoni

Institucionalizadas pelo prefeito Washington Luiz, em 1914, há 111 anos, as feiras livres contribuíram muito para o desenvolvimento da cidade de São Paulo e caíram no gosto das pessoas que moram aqui e que as adotaram de coração. Da primeira feira livre realizada naquele ano e de um núcleo inicial de apenas cinco feiras, a capital paulista, que no dia 25 de janeiro completa 471 anos, possui atualmente 968 feiras livres.

As feiras livres viraram ponto de encontro de confraternização das pessoas que moram nos bairros que vão até elas não somente para comprar mercadorias, mas para conversar, tomar caldo de cana e comer pastel.  Às vezes, o feirante faz papel de confidente já que ele conhece bem os moradores que frequentam a feira de seu bairro e acaba ficando por dentro dos seus problemas, tristezas e alegrias, a vida de filhos e parentes dos frequentadores.

José Augusto Inácio Vieira, 53 anos, começou a trabalhar com o pai. Ele vende frango e tem barracas nas feiras livres de alguns bairros. “Conheço pessoas que compram conosco desde a época de meu pai, quando eu era ainda um molequinho de 14 anos. Ouço contarem suas vidas, gente que hoje é formada e se tornaram pessoas importantes, comeram dos nossos produtos, a mãe era nossa freguesa e assim vai. A feira é algo muito interessante. Temos clientes bastante fiéis”, afirma.

Organização das feiras

Na cidade de São Paulo, quem organiza as feiras livres, fornece licença para os feirantes e fiscaliza a atividade é a administração pública municipal por meio da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) e a sua Secretaria Executiva de Segurança Alimentar e Nutricional e de Abastecimento (SESANA), Divisão de Feiras Livres. A fiscalização conta com a ajuda das subprefeituras e pode ser acionada pelos moradores e os próprios feirantes para verificar irregularidades, que podem ser denunciadas também pelo serviço do SP 156.

A SESANA também é responsável pelos programas de fornecimento de alimentos para comunidades e pessoas em situação de rua (Programas Cozinha Solidária e Cozinha Escola), reaproveitamento de alimentos e mais recentemente pela criação dos Armazéns Solidários, que comercializam produtos até 50% mais baratos do que os do mercado tradicional, entre outros programas de segurança alimentar, como o Bom Prato Paulistano (em parceria com o Governo do Estado) que beneficiam a população vulnerável e de mais baixo poder aquisitivo.

Entre os avanços mais recentes na organização das feiras livres está a dispensa da obrigação de rodízio para os caminhões dos feirantes, a mudança do sistema de gestão, como o registro para atuação nas feiras, hoje todo automatizado pelo Sistema “Tô Legal”, a instalação de banheiros químicos, que beneficiam 300 feiras livres e o reaproveitamento de frutas, verduras e hortaliças, que ainda estão em condições de consumo e são direcionadas para associações locais cadastradas pelo Programa de Combate ao Desperdício.

A SESANA estima que as feiras livres movimentem cerca de R$ 2 bilhões por ano, ocupam 12 mil feirantes, reúnem uma média de mil pessoas por feira e geram em torno de 70 mil empregos diretos e indiretos. Frutas, legumes, as bancas de pastel e de caldo de cana, são os produtos mais vendidos. “São vendidos cerca de 700 a mil pastéis por feira e um volume aproximado de caldo de cana, além de frutas e verduras, que são os produtos de maior valor agregado, afirma o secretário executivo Aurélio Costa de Oliveira, responsável pela SESANA.

O cadastramento de feirantes se dá por chamamento público para participação de edital, quando a documentação é verificada e os selecionados são regularizados e cadastrados, conforme o grupo e subgrupo de cada espaço. Para a criação da feira é necessário haver demanda por parte dos munícipes e de feirantes. Mas em geral, o ofício de feirante passa de pai para filho, reunindo famílias inteiras que vivem deste tipo de comércio.

Há feiras livres em todos os bairros que atendem de terça a domingo (o único dia sem feira é a segunda-feira), a partir de 7h ou 8h, e vão até as 14h ou 14h45, dependendo do horário em que se iniciam. Na cidade de São Paulo há 20 feiras livres noturnas e 10 feiras que comercializam produtos orgânicos. Além do pastel e do caldo de cana, algumas feiras oferecem comidas típicas brasileiras e de outros países.

“Dia de feirante é de segunda a segunda”, afirma Edson dos Santos Silva, 47 anos, que trabalha desde os 12 anos de idade.  O pai foi feirante por 63 anos, quando ele se aposentou assumiu os negócios. Atualmente, possui uma distribuidora de bananas que fornece as frutas, não só para as suas barracas na feira, mas também para estabelecimentos comerciais, como os mercados. “O pessoal fala assim: segunda-feira é o dia de folga do feirante. Não é, porque muitas vezes o cara vai resolver uma coisa, arrumar o caminhão, resolver coisas particulares, banco, contador”.

Um pouco de história

“As feiras livres foram institucionalizadas pelo prefeito Washington Luís em 1914, porém aconteciam em diversos pontos da cidade de São Paulo, de modo regular, pelo menos desde o século XIX. Os trabalhadores das feiras eram pequenos proprietários ou agregados produtores de gêneros alimentícios produzidos nas terras ao redor do núcleo urbano ou em regiões que hoje formam a grande São Paulo. No auge da economia cafeeira, a importação de trabalhadores europeus, especialmente de italianos, somada ao fluxo migratório interno das regiões Norte e Nordeste para a capital paulista exigiu a reorganização do sistema de abastecimento alimentício. De repente, a população de 70.000 habitantes, que se registrava na segunda metade do século XIX, se viu ampliada para 450.000 por volta de 1914. Foram roceiros, caipiras, negros e brancos pobres ligados às feiras livres e mercados que abasteceram a cidade durante o crescimento vertiginoso da população”.

Quem explica é o historiador Francis Manzoni*, autor do livro “Mercados e Feiras Livres em São Paulo”, publicado pela editora Sesc em 2019. Ele disse que antes de serem instituídas oficialmente, as feiras livres já aconteciam em diversos pontos da cidade de São Paulo, de modo regular, ao menos desde o Século XIX.

“Uma particularidade interessante das feiras livres é o encontro de culturas. Aconteceram durante todo o século XX e continuam a fazer parte da dinâmica. Nas primeiras décadas do século XX, italianos, espanhóis, portugueses, franceses e, claro, brasileiros, pretos e brancos, homens e mulheres, disputavam pela venda de seus produtos nos mercados e nas feiras livres. Nesse amálgama, misturaram-se à dieta brasileira os velhos conhecidos: milho, mandioca e feijão e carne de porco com queijos, azeitonas, azeites, linguiças, embutidos, pães, massas, molhos, esfihas, pastas, licores, tortas, presuntos e doces os mais variados. Atualmente, novos levas de imigrantes tem diversificado a variedade de alimentos nas feiras, como a presença de bolivianos, peruanos, angolanos, haitianos e sírios”, completa o historiador.

Hoje, a cidade tem uma população de quase 12 milhões de habitantes e nem mesmo a concorrência dos modernos supermercados foi capaz de superar as feiras livres que são uma verdadeira instituição cultural de São Paulo.

Curiosidades

A feira livre mais antiga está localizada na Rua Firminiano Pinto, no Brás. Foi inaugurada em 1915 e oficializada por Washington Luiz, prefeito de São Paulo na época. Ocorre às terças-feiras.

A maior feira é a da Vila Mara, com 226 barracas, que acontece aos domingos. Fica na Rua Gonçalo do Rio das Pedras, Parque Paulistano.

*Francis Manzoni é pós-graduado em edição de livros, mestre em história pela Unesp e doutor em história pela mesma área na PUC-SP, com passagem pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, na França. Atualmente é aluno do MBA em Gestão Estratégica de Pessoas na FGV. Atuou como consultor da área de literatura do Sesc São Paulo e, neste momento, é gerente adjunto das Edições Sesc. É autor do livro 'Mercados e feiras livres em São Paulo: 1867 – 1933' (Sesc, 2019) e 'A criação do Centro Cultural São Paulo' (Alameda, 2022).

 

Legenda da foto: Trabalhadores em feira na praça General Osório, 1913. Fotógrafo desconhecido. Acervo de Francis Manzoni.

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