Secretaria Municipal da Saúde

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Terça-feira, 8 de Setembro de 2015 | Horário: 15:25
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‘Vamos ofertar tantos preservativos que ninguém tenha que se preocupar em comprar’

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Contêineres batizados de “Jumbo” – capazes de armazenar 16 mil unidades - chegaram a algumas ruas e praças da cidade

 

Por José Antonio Leite
Foto: Edson Hatakeyama


Preservativos não são propriamente uma “novidade”. Há pelo menos 3 mil anos os chineses fabricaram uma primeira versão feita a partir da combinação de papel de seda e óleos lubrificantes. Desde então, esse método se tornou uma das formas mais conhecidas de prevenção à gestação não planejada e um dos meios mais recomendados pelos médicos para a prevenção de Doenças Sexualmente Transmissíveis, incluindo a Aids (DST/Aids). Entre 2013 e 2014, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), por meio do Programa Municipal de DST e Aids, realizou a Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e Práticas na População do Município de São Paulo (PCAP-MSP). Após entrevistas com mais de 4 mil pessoas, verificou-se que 97% dos entrevistados com entre 15 e 64 anos conheciam o preservativo e sua eficiência contra as DST/Aids. Ainda assim, 47% dos moradores da cidade de São Paulo não tiveram acesso ao preservativo no ano anterior. 

A partir desses resultados, a SMS passou a ter uma prática sistemática e ampliada de garantir os preservativos à população. A distribuição não se restringiu apenas às unidades de saúde. Por meio de contêineres batizados de “Jumbo” – capazes de armazenar 16 mil unidades - chegou também às ruas, às praças. Beneficiários do Programa De Braços Abertos, dirigindo triciclos, passaram a entregar preservativos em estabelecimentos de entretenimento adulto como boates, bares, prostíbulos, nos chamados cinemas de "pegação" concentrados no centro da cidade.

No último dia 18, o primeiro dispensador completou um ano. Entre o primeiro semestre de 2014 e o mesmo período desde ano o número de camisinhas masculinas dispensadas aumentou 49.5%, passando de 17.845.592 para 26.685.578. Os resultados são animadores e positivamente avaliados por outros países. Mas ainda há muito a ser feito. Para falar sobre a importância do uso dos preservativos na luta contra as DST/Aids e os desafios a serem enfrentados nos próximos anos, Eliana Gutierrez, coordenadora do Programa Municipal de DST/Aids, conversou com o Portal da SMS.

Por que as pessoas com vida sexual ativa devem usar preservativos?

Por vários motivos. Primeiro, para evitar infecções sexualmente transmissíveis, entre elas o HIV. Mas há muitas outras infecções sexualmente transmissíveis como a herpes, a hepatite B, a gonorreia, sífilis... Além disso, nas relações heterossexuais, o preservativo - além de simples e barato - é um potente método anticoncepcional para evitar a gestação não planejada. Hoje vivemos em uma sociedade na qual as pessoas podem planejar as gestações que desejam ter.

O preservativo é fundamental em todos os tipos de relação?

A gente recomenda o preservativo para relações homossexuais, entre homens, ou heterossexuais. Em todas as relações heterossexuais e homossexuais, além da questão do HIV, temos outras doenças que são transmitidas por relações sexuais, como a hepatite B.

Qual a efetividade do preservativo?

Não existe qualquer instrumento que tenha efetividade de 100%. Isso varia de acordo com o tipo de doença. Para algumas doenças, onde o contato é com secreção, a efetividade é muito maior. Para outras, que o contato não é com secreção, a efetividade é menor.

Os preservativos são métodos antigos. Mas as pessoas, no geral, sabem utilizá-los?

As pessoas aprendem. As pessoas têm de ser ensinadas a usar o preservativo. De modo geral as pessoas sabem. O preservativo masculino é mais disseminado. No caso do feminino, que é menos conhecido, seu uso precisa ser ensinado. Não é toda a mulher que sabe usá-lo.

Ainda existem muitos homens que resistem quanto ao uso do preservativo masculino, mesmo quando suas mulheres ou namoradas pedem?

Não temos nenhuma pesquisa a respeito. Nas relações com parceiros fixos, o uso de preservativos é menor. Com o parceiro eventual, o uso é maior. Isso mostra que as pessoas fazem uma gestão de risco. Em nossa sociedade, uma relação fixa pressupõe que haja fidelidade. Mas, aparentemente, quando o homem ou a mulher vai ter uma relação com outro parceiro que não o fixo, usa o preservativo.

Quem usa mais preservativos, homens ou mulheres?

Constatamos em nossa PCAP [Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e Práticas na População do Município de São Paulo (PCAP-MSP)] que os homens relatam mais o uso de preservativos. Creio que isso se dê porque, em nossa sociedade, a mulher ainda assume uma posição subalterna. Existem relatos de mulheres submetidas a violências quando pedem que os parceiros usem preservativos, mas eu acredito que isso esteja diminuindo. Com a persistência do relacionamento existe a diminuição do uso do preservativo.

Sabemos que houve uma boa elevação em relação à dispensação de preservativos para os munícipes, na ordem de 49,5% entre 2014 e 2015. O que a Secretaria Municipal da Saúde tem feito para elevar ainda mais a dispensação de preservativos?

Em 2013 e 2014 fizemos a PCAP representativa de cada região de São Paulo. Entrevistamos mais de 4 mil pessoas (cerca de 2 mil mulheres e 2 mil homens). Ouvimos pessoas que são casadas, têm parceiros e as que não têm, perguntamos sua idade e sexo. Observamos que 97% da população com idade entre 15 e 64 anos sabe que o preservativo é importante para evitar infecções sexualmente transmissíveis. Foi o primeiro dado com o qual trabalhamos. A informação que vem sendo transmitida há décadas foi absorvida pela população.

E a utilização do preservativo?

Percebemos que o uso ainda é relativamente baixo. Fomos ver qual é o acesso aos preservativos. Observamos que 47% da população disse que não teve acesso a eles no ano anterior. A maior forma de acesso, de 33%, é a compra em farmácia. O preservativo gratuito foi mencionado por 21% das pessoas que tiveram acesso. Observamos que as classes A e B compram e que as classes C, D e E dependem do preservativo gratuito.

Os preservativos são seguros?

Eles são extremamente seguros, mas não existe método 100% seguro. O preservativo não é um "guarda-chuva furado". Há casos de pessoas que engravidam ou que contraem alguma DST, que atribuem a culpa ao preservativo. O fato é que os preservativos são submetidos a uma série de avaliações, passam por testes de qualidade no Inmetro [Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia]. Sabemos que há diminuição de risco de transmissão de infecção sexualmente transmissível na ordem de 98%.

Por que não há uso em grande escala?

Nossa primeira hipótese era a de que não havia conhecimento, mas isso foi descartado. As pessoas têm conhecimento. A segunda hipótese foi a da falta de acesso. Começamos então a observar como o preservativo gratuito é ofertado. O preservativo já era ofertado em nossas unidades de saúde, dentro das unidades, mas em quantidades relativamente discretas. Havia cadastramento, havia o dia das profissionais do sexo, havia cotas. Então, resolvemos repensar essa forma de dar acesso ao preservativo.

De que forma?

Nossa primeira medida foi redesenhar os displays de preservativos. Nos antigos, por seu formato, havia demora em alimentá-los com preservativos. Então pensamos em dispensadores que fossem de fácil abastecimento.

O acesso é mais público, atinge maior número de pessoas.

Sim, pensamos em displays que pudessem ser abastecidos com maior número de preservativos. Nossa ideia era que os preservativos estivessem acessíveis antes da recepção nas unidades. Muitas pessoas não desejavam entrar na unidade para pegar preservativos.

Qual foi a saída?

Começamos a instalar na rua - primeiro como teste - um dispensador Jumbo, bem maior, que pode ser abastecido com 16 mil preservativos. Notamos que mais pessoas se abasteciam dos preservativos e raramente notamos desperdícios. Feito o teste, começamos a instalar esses dispensadores Jumbo do lado de fora das unidades.

Quanto tempo demora para que o Jumbo seja abastecido?

Leva 16 minutos para abastecemos um dispensador com 16 mil preservativos. Nosso desejo é colocá-los em locais de grande circulação de pessoas. Hoje temos 26 e estão chegando mais 50 desses dispensadores. Receberemos 3 mil dispensadores menores, que são colocados na recepção ou na sala de espera das unidades, para que as pessoas possam se abastecer de uma grande quantidade de preservativos.

Quais outros lugares passaram a receber os dispensadores?

Passamos a abastecer também as redes de estabelecimento de entretenimento adulto, como boates, bares, prostíbulos, cinemas de "pegação", que estão muito concentrados no centro da cidade. Há vários anos já tínhamos um trabalho que não tinha uma frequência adequada de abastecimento de preservativos nesses locais. Temos que ir ao local, conversar com o dono, perguntar se ele permite a colocação do dispensador no estabelecimento e levar os preservativos.

Quem faz o abastecimento dos dispensadores?

Nós capacitamos pessoas que são beneficiárias do Programa De Braços Abertos. Eles estão percorrendo, com triciclos adaptados, 90 estabelecimentos de entretenimento adulto. Cada triciclo tem capacidade de transportar 5 mil preservativos. Por ora, são quatro pessoas que fazem a distribuição. Duas pela manhã e duas à tarde. São distribuídos 33 mil preservativos por semana nesses estabelecimentos. Assim, fazemos o combate às infecções sexualmente transmissíveis, HIV/Aids, gestação não planejada. Também aproveitamos as ciclo faixas que estão instaladas na cidade e damos uma uniformidade para o abastecimento desses locais. Como contrapartida, capacitamos essas pessoas para fazer esse trabalho.

A tendência dessa ação é se ampliar?

Acredito que sim. Se observarmos ao nosso redor, no Centro, o número de empresas que estão fazendo logística com bicicletas, é enorme. Foi observando esse crescimento que pensamos em utilizar os triciclos.

É também uma questão de mobilidade.

Além da mobilidade, usamos um transporte ecologicamente correto. Vamos aproveitar a chance que a cidade nos oferta e as pessoas beneficiárias do Programa De Braços Abertos, que podem fazer outras coisas além da limpeza urbana. Essas pessoas que dirigem os triciclos tiveram aulas de direção defensiva, manutenção dos triciclos, foram instruídas sobre infecções sexualmente transmissíveis...

Trata-se de uma política de inclusão social.

De inclusão social, de cidadania. Foi uma política articulada. Somos nós, da Secretaria Municipal da Saúde, o Programa De Braços Abertos, da Secretaria Municipal do Trabalho, que oferta uma bolsa aos beneficiários. É uma ação que exige um grau de articulação muito importante.

Qual o balanço que você faz dessa ação?

Muito positivo, porque tem a ver com o Programa Municipal de DST/AIDS, quanto ao abastecimento de preservativo nos locais de entretenimento adulto, quanto à capacitação das pessoas que estão no De Braços Abertos, que são ou eram usuários intensivos de drogas na região da Luz.

No último dia 27, uma delegação do Ministério da Saúde da Polônia visitou a Secretaria Municipal da Saúde. Os poloneses se disseram positivamente surpreendidos pela dispensação de preservativos. Também afirmaram que na Polônia ainda há muita resistência, por parte de setores conservadores do país, em relação à distribuição de preservativos. Como você avalia essas declarações?

Vejo a declaração com extrema preocupação. Porque esta questão é uma questão mundial. Na Polônia você tem infecções sexualmente transmissíveis, DST, HIV, gravidez não planejada. Me assusta um pouco que um país tão antigo, de cultura tão sólida, tenha dificuldades dessa natureza. Há poucas semanas estive em Amsterdã, onde fui apresentar nossas atividades em um congresso. Fiquei impressionada como países ricos, como a Holanda, têm dificuldades para fazer distribuição gratuita de preservativos; lá os preservativos são todos são vendidos para os usuários. Nós temos um Sistema Único de Saúde (SUS) que tem que melhorar, mas que nos dá condições de avançar muito no que se refere às ação de prevenção junto à população, de profilaxia...E nós às vezes não nos damos conta da importância do SUS, o avanço que representa o Sistema Único de Saúde.

E que dá acesso a pessoas que não poderiam arcar financeiramente com o acesso à saúde.

Essa é uma questão fundamental. O Brasil ainda é um país pobre. A maioria das pessoas teria muita dificuldade para arcar, individualmente, com os custos de todas as ações de saúde. A Polônia vive hoje um momento conservador. E nós também. Acho que compete aos profissionais da área da saúde ofertar as melhores soluções que nós dispomos, independentemente da conjuntura. É como a questão do aborto. Em locais onde o aborto é legal, as pessoas que não desejam abortar não têm que abortar. Mas as que desejarem, têm esse direito. Isso é um instrumento que confere uma proteção muito grande à saúde das mulheres. A mesma delegação da Polônia informou que seu país tem problemas sérios quanto ao consumo de álcool. Então eu penso: as mesmas famílias polonesas que não acham normal que as crianças conheçam o que é um preservativo, que é um instrumento de proteção à saúde, acham normal que as crianças conheçam álcool? Uma coisa, o preservativo, é para proteção. O álcool, seguramente, não é para a proteção das pessoas.

Os preservativos ainda são estigmatizados como objetos de uma vida mundana?

Acredito que sim, no Brasil menos, mas em outros países sim. Em certos países africanos, de forte cultura conservadora, essa é uma questão muito importante. Mas a gente não pode perder as expectativas. Eu me recordo, na minha juventude, quantas pessoas fumavam. E houve uma grande mudança de mentalidade. Era bonito fumar. Hoje tivemos uma redução enorme do número de fumantes. As coisas mudam. O que eu quero dizer é que nossa pesquisa mostrou que hoje quem mais usa preservativo na primeira relação sexual são os jovens, também nas relações com parceiros fixos ou eventuais. Quem menos usa são os mais velhos. É importante que as pessoas sejam informadas.

Por isso são importantes as pesquisas.

Sim, pois hoje sabemos que 52% dos jovens, de 15 a 24 anos, iniciaram a vida sexual antes dos 15 anos. Acho que é precoce. Mas é possível reverter isso? O que sei é que podemos ofertar para essas pessoas a proteção. Você vai transar? Então, use preservativo.

Quais os planos do Programa Municipal de DST/Aids para os próximos anos?

Estamos hoje comprometidos com a UNAIDS, com o Brasil, com a estratégia 90-90-90. Até 2020 teremos que ter 90% das pessoas com HIV diagnosticadas; deste grupo, 90% seguindo o tratamento e, dentre as pessoas tratadas, 90% com carga viral indetectável. A meta é, em 2030, chegar ao fim da epidemia. Hoje dispomos de três instrumentos poderosos: a prevenção primária, preservativos. Vamos avançar para a distribuição de preservativos, ofertar tantos preservativos que ninguém tenha de se preocupar em comprar, a Profilaxia Pós-Exposição (PEP) e o tratamento para o HIV.

Como isso será feito?

Nos articulando com a Secretaria da Educação, com a Secretaria dos Esportes e com a Secretaria da Cultura. São as pessoas mais jovens, que estão muito mais disponíveis [à vida sexual]. Temos que adotar a prevenção como política pública. A prevenção não é uma questão apenas da saúde, mas da cidade com o um todo. Os jovens têm que ter acesso aos preservativos também fora da rede de saúde, nos equipamentos que funcionam aos sábados, domingos, feriados. Queremos que o preservativo se torne algo corriqueiro. Se nós oferecermos preservativos e tratarmos as pessoas, isso se torna muito importante para reduzir a taxa de novas infecções. Não existe mais essa história de atingir um patamar de imunodeficiência para fazer o tratamento. Você deve iniciar o tratamento assim que fizer o diagnóstico, que deve ser feito mais precocemente.

Estão sendo feitos mais diagnóstico?

Sim. Observamos que vamos muito bem num determinado setor, do tratamento. Na cidade de São Paulo, os resultados do tratamento são muito bons. Melhores até do que nos Estados Unidos. Temos 87% das pessoas em tratamento no município, com carga viral tão baixa que não dá para transmitir o HIV. Mas temos que aumentar a retenção das pessoas na nossa rede. A pessoa faz o diagnóstico, passa na nossa rede e, às vezes, some. Temos que ir atrás dessas pessoas para que elas retornem à rede. Hoje nós estamos com listas de pessoas em nossa rede, observamos quem não está em tratamento, perguntamos nas unidades os motivos para que uma pessoa não esteja em tratamento. Nas nossas 16 unidades de assistência realizamos um acompanhamento próximo. Queremos que seja ofertado atendimento para todos. Ainda há também muita gente vivendo com HIV que ainda não sabe dessa condição. Então, capacitamos quase 1.200 profissionais de saúde em nossa rede. Elas estão na Atenção Básica, nas AMAs e nos hospitais ofertando teste para que seja feito um diagnóstico mais precocemente. Isso é bom para o indivíduo e para a sociedade. Creio que o Brasil vai controlar a epidemia de AIDS e nossos avanços tecnológicos e de mentalidade foram importantes para chegar onde chegamos. Quem puxa o Estado de São Paulo para ter bons indicadores é o Município de São Paulo e o mesmo se pode falar do Estado em relação ao Brasil.

 

 

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