Secretaria Municipal da Saúde

Segunda-feira, 5 de Outubro de 2015 | Horário: 14:04
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Equipe de saúde da família humaniza tratamento em comunidade da zona Oeste

Visitas domiciliares de médicos, enfermeiros e agentes comunitários da UBS Jardim São Jorge são exemplo de tratamento humanizado

Da Redação do Saúde Popular

“Eu já falei que ela tem que se cuidar mais, mas ela é teimosa”. “Você não pode falar nada, mais de ano que não passa no médico e vem falar de mim?”. Cecília Moreira, 61 anos, mais conhecida como Nani dos salgados, e seu marido Elias Domingos, pareciam competir para ver quem tinha mais problemas de saúde. Ela, diabetes; ele, colesterol alto. A conversa ocorre enquanto eles recebem a visita mensal de uma equipe de saúde da família em casa, no Jardim São Jorge, zona oeste da capital paulista.
“Fica quieto que a consulta é minha homem. Se quiser falar dos seus problemas, marca uma para você”, retrucou Cecília ao marido.

Sentados no sofá da sala, o médico e a agente comunitária que visitavam o casal se divertiam com a conversa. Os visitantes tomavam suco de uva e comiam esfihas de calabresa feitas por Nani, que vende salgados na comunidade.

O jovem que escutava o casal, à primeira vista, não se parecia com um médico. Não usava jaleco, apenas uma camiseta azul e calças jeans. Carregava uma bolsa cheia de prontuários, estetoscópio, seringas e remédios para atender os pacientes nas visitas domiciliares daquela segunda-feira. Stephan Sperling é médico residente em uma Unidade Básica de Saúde (UBS). Preocupado com a saúde de Elias, pediu para que ele marcasse uma consulta.
Elias concordou com o jovem rapaz. Stephan dirigiu-se a Nani e perguntou se ela estava aplicando a insulina. Ela disse que não, sem explicar o porquê. Ele suspeitou que isso pudesse ser um sinal de que ela estava desistindo do tratamento. “A gente, às vezes, passa a imagem de que usar insulina é um castigo ou uma derrota, porque o tratamento via oral para a diabetes não deu certo”, tranquilizou Stephan.

O médico, então, usou o tempo da consulta para ensiná-la a aplicar a insulina. “A senhora vai puxar a seringa até o [traço] dez. Pega todo o ar, vira o frasco de ponta cabeça e espeta. Aí é só escolher uma parte do corpo, pôr a agulha em ângulo reto, espetar e contar até cinco”, disse.

Atenção e afeto

As dificuldades na aplicação da insulina de Cecília e a falta de acompanhamento de Elias são aspectos que talvez não fossem percebidos em um ambiente formal como o consultório da UBS. O bate-papo na sala da casa da Nani do salgados fazem parte da Estratégia de Saúde da Família (ESF) que tem como foco a prevenção de doenças e promoção da saúde integral. Os profissionais que atuam em equipes de saúde da família transformam a formalidade de prontuários, fichas e sintomas em cuidado, atenção e afeto.

Após a orientação, Stephan e a agente comunitária Luzia Silva saíram da casa, mas não sem antes conhecer a cozinha de Nani dos salgados, que tem freezeres para guardar todas as massas dos salgados que ela faz, além de máquinas para preparar a massa.

Vínculo com a comunidade

Stephan e Luzia fazem parte da equipe verde da UBS Jardim São Jorge. A unidade foi inaugurada em 1976. Em 1996, ela foi fechada para reforma, sendo reaberta novamente em 2000 como o modelo da UBS e uma equipe de dois pediatras, três clínicos e dois ginecologistas.

Em 2002, a UBS iniciou a Estratégia de Saúde da Família (ESF), com 35 agentes comunitários, um médico e uma enfermeira. Hoje, das 35 mil pessoas que moram no Jardim São Jorge, 18.007 estão cadastrados e utilizam os serviços de saúde da família.

A ESF expandiu-se em 2008 com a criação das seis equipes que existem hoje – cada uma com o nome de uma cor. No mesmo ano, também foi criada a Assistência Médica Ambulatorial (AMA), que divide o espaço da UBS, com o objetivo de atender as demandas e casos mais urgentes.

E em 2010, o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf) foi integrada à UBS, levando fisioterapeutas, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, nutricionistas e assistentes sociais para auxiliar as equipes. Hoje, a unidade conta com 186 profissionais da saúde no total.

A agente comunitária Luzia é responsável pela micro-área 14 no Jardim São Jorge, que tem 185 famílias cadastradas. Diariamente, as seis agentes da desta equipe fazem cerca de dez visitas às famílias da área. Em média, uma agente visita todas as famílias uma vez por mês. Caso o paciente necessite de cuidados, ela pode retornar à casa com um médico ou enfermeiro.

Elo entre comunidade e UBS

Luzia mora há 14 anos no bairro onde trabalha e atua como agente comunitária há dois anos. Ela reconhece a importância dessa iniciativa, apesar de encontrar resistência de alguns moradores em receber a visita. “Eu pensava que era um trabalho que não tinha valor antes de ser agente, mas percebo que somos um elo muito importante entre a comunidade e as equipes na UBS”, apontou.

Uma de suas visitas naquela terça-feira era à família da dona de casa Mônica, mãe de duas meninas gêmeas. Naquele dia, Mônica estava preocupada com Júlia, uma das filhas, por causa de uma alergia na nuca, que começou a tratar com pomada vaginal.

Como quem conversa com uma amiga, a mãe também falou que estava dando chá para a filha para que ela ficasse calma à noite.
“Isso é uma enganação para você mesma”, disse Luzia. O mais importante para ela agora é o leite. Ela precisa mamar por mais de 10 minutos para pegar os nutrientes. Você tem consulta amanhã com a Elisângela, né? Fala isso tudo para ela.

O trabalho de enfermagem

Elisângela Fernandes é a enfermeira da equipe verde. Apesar de ser considerada a “chefa” pelas agentes comunitárias, ela tem um jeito informal e brincalhão. Ela diz ter “caído de gaiata” na primeira UBS onde trabalhou. “Fui formada para trabalhar em hospital. Quando cheguei e me pediram para fazer atendimento e consulta, não sabia o que fazer.

Foram três meses duros de aprendizado, pensei em desistir. Mas aí você vê que seu trabalho faz diferença, as pessoas voltam e falam que melhoraram porque você orientou, então peguei gosto. Hoje não penso em ir para hospital”, relatou.

Em uma equipe de saúde da família, o papel do enfermeiro é tão importante quanto o do médico. Esse profissional faz consultas, podem prescrever alguns medicamentos para gestantes, crianças, casos relacionados à hipertensão, diabetes e saúde da mulher. Elas também realizam as visitas domiciliares para cuidar dos pacientes.

Elisângela explica que há diferenças entre a consulta do médico e da enfermeira. “A consulta da enfermeira é mais no sentido de orientar o tratamento e fazer sugestões para a pessoa. Eu não posso diagnosticar uma pessoa. Isso é papel do médico. O médico também prescreve o tratamento com medicamentos. Mas pela natureza da saúde da família, de prevenir e orientar, muitas vezes as consultas acabam sendo iguais”, apontou.

As auxiliares de enfermagem, por sua vez, não atendem pacientes, mas fazem curativos e, por conta da quantidade de visitas que fazem, acabam conhecendo muito mais a área da comunidade. Enquanto as auxiliares fazem 80 visitas por mês, as enfermeiras fazem cerca de 32.

Desabafo

Mônica, que havia sido visitada pela agente comunitária no dia anterior, chegou à UBS para ser atendida. Ela aproveitou a consulta para desabafar. Contou que entrou em depressão após ter as gêmeas e que seu marido a pressiona muito. Elisângela pensou nas palavras e aproximou-se da paciente.

“Esse período é difícil, mas vai passar. Logo as meninas vão crescer e vai ser mais fácil para você. Você tá sendo uma super mãe, apesar de seu companheiro dizer o contrário”, disse.

Durante a consulta, a enfermeira orientou que a pomada vaginal não fosse mais usada na alergia de Júlia e comprometeu-se a acompanhar a amamentação: “Eu vou lá na sua casa e vejo como ela está mamando. Pode ser que ela esteja pegando errado no bico. E vou discutir com a equipe para você passar com a nossa psicóloga”.

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