Secretaria Municipal da Saúde
Dona Olga, quase oito décadas de vida em prol da cidadania
Por Rosângela Rosendo
Edição: Carmen Ludovice
Fotos: Edson Hatakeyama
Chilena, Olga Luisa queria deixar o seu país de origem quando jovem. Não por questões políticas, mas paternas. Seu pai era militar e muito exigente. Por isso, ela e suas irmãs “não conseguiam ter a liberdade que as outras moças tinham”, revela. Embora considere que o pai era muito generoso e à frente do seu tempo, ela admite que havia um probleminha: “a gente queria ir para um lugar, ele não deixava, queria ir para outro, não podia”. Com sete filhos, sendo dois homens e cinco mulheres, o importante para ele era os filhos estudarem e conquistarem um diploma antes de saírem de casa. Ele dizia: ‘vocês têm de ter um diploma para poder trabalhar e se sustentar, porque ninguém é obrigado a sustentar ninguém. Se você casar e não der certo, você manda o traste embora, porque você tem um diploma e pode trabalhar para se sustentar’. “E isso já faz 60 anos”, rememora Olga.
Lições paternas
A admiração pelo pai povoa a mente de dona Olga, que se recorda emocionada dos muitos brinquedos que ela e os irmãos ganharam dele, na infância. “Ele chegava com um saco de presentes e falava: ‘Papai Noel passou no quartel e mandou todos esses brinquedos para vocês cuidarem e brincarem”. E também ressalta a ausência de machismo no comportamento paterno. “Um dia, uma tia questionou o meu pai por um dos meus irmãos estar brincando com boneca. E ele respondeu: ‘qual é o problema, ele não vai ser pai um dia? ele não vai ter um filho? Então já pode começar a aprender a cuidar dele desde já”, orgulha-se. E acrescenta mais um exemplo do traço antimachista paterno: ´A mulher tem de ser valorizada e se valorizar, estudar e também dividir as obrigações com o marido´. Segundo ela, esses ensinamentos ajudaram-na a pavimentar o melhor caminho a seguir. “Casei-me com 24 anos, com o Jaime, um chileno já falecido. E tive quatro filhos, três mulheres e um homem, que foram criados com bastante liberdade, mas sempre sabendo respeitar os limites que não devem ser ultrapassados”, enfatiza. De família muito simples, a gestora de saúde conta que aprendeu o significado da palavra respeito muito cedo. “Minha família pregava que respeito não faz mal a ninguém. Você tem de aprender a respeitar todo mundo, seja criança, adolescente, adulto ou idoso. Por isso, ando muito preocupada, porque hoje em dia as pessoas não se respeitam muito mais, não se ajudam”, lamenta.
De olho na saúde pública
Quando cheguei ao Brasil, nos anos 60, o sistema de saúde era completamente diferente do que é hoje. Naquele tempo, havia muito problema de higiene, banheiros inadequados, atendimento precário, entre outras coisas. Hoje é uma beleza. Segundo ela, o povo brasileiro tem o melhor país do mundo, com acesso universal a serviços sociais de saúde de qualidade. Mas não dá muito valor e nem se preocupa em aprender a usar os serviços e equipamentos que tem à sua disposição, como os de saúde, por exemplo, por absoluto desconhecimento. Ela explica: ”quando fui conselheira da criança e do adolescente, as pessoas tinham pavor do Conselho Tutelar, pois não sabiam do que se tratava e desconheciam como usar aquilo a seu favor. Mas, a partir do momento em que começamos a divulgar e explicar o serviço e seu funcionamento, tudo mudou, acabou o medo”. “Para ela, isso também acontece com o Sistema único de Saúde, pois muita gente ainda não sabe como chegar ao SUS, nem como acessar e usar seus serviços, não entende porque a unidade está num lugar e o especialista em outro, entre outras tantas dúvidas”. Para ajudar a mudar o comportamento do usuário, ela sugere o fornecimento de informações de forma simples e didática: ”muitas vezes as pessoas criticam, por não entenderem como funciona e por desconhecerem os benefícios oferecidos pelo sistema. Eu mesma fiz uma campanha em minha comunidade com o mote ‘parem de falar mal do SUS`, porque sei do que se trata e acho que tudo o que a gente conquista, a gente tem de cuidar. Sou uma eterna defensora do SUS”, garante. Dona Olga sugere implantar algo parecido com as Rodas de Conversa, que acontecem na UBS Eduardo Romano Reschillian, para ajudar a conscientizara população sobre a importância do SUS. “Essas rodas ajudam muito, porque nelas se fala de tudo, sobre acolhimento, absenteísmo, entre outros assuntos. Você participa, você age. A pessoa fala e aprende também. A saúde melhorou porque a mulher lutou. E continua lutando muito por ela”, encerra.
Sendo o exemplo
A idade avançada não a impede de dar sua contribuição às causas sociais. “Participo de muitos grupos voltados ao resgate da cidadania: idoso, mulher, população de rua, dos direitos humanos, conselho gestor de saúde, entre outros”, enumera. “Meu envolvimento com as causas sociais” começou quando tive o meu primeiro filho. Naquela época não havia creche, e era muito difícil encontrar um lugar para deixar os pequenos para a gente poder trabalhar fora. Meu primeiro trabalho social foi com crianças. Conseguimos montar uma creche, na rua Humaitá, em frente à unidade básica Humaitá. A primeira vez que ouvi falar da luta por saúde para todos foi através de um grupo que liderava um movimento muito forte, sobre o tema, na zona leste, em São Mateus, Cidade Tiradentes, Sapopemba. Em 1973 fui para a Vila Formosa fazer parte de um movimento de igual natureza. Lá se discutiam questões como melhorar a saúde, como os movimentos tinham de se organizar, se unir, entre outros, para tudo dar certo. Roberto Gouveia foi o médico que elaborou a cartilha do usuário e outros médicos começaram a atender a população gratuitamente nos finais de semana”, aplaude. Conselheira da saúde desde 1997, ela conta que começou a trabalhar no centro da cidade, na UBS Vittorino Camilo, e também no Parque Dom Pedro, na Sé. “Fui uma das primeiras conselheiras gestoras”, diz a pioneira, que guarda uma lembrança no coração, como se fosse um prêmio pelo esforço de tantos anos de luta em prol do semelhante. “Nós conseguimos instalar uma URSI (Unidade de Referência da Saúde do Idoso), que atua no tratamento e no cuidado de problemas específicos do envelhecimento, na UBS Vittorino Camilo, porque existia muito problema de marcação de consulta. Aí decidimos fazer uma movimentação para melhorar isso. Então, fomos para o posto às 6h30 da manhã, com cadeirantes, umas cem pessoas. E melhorou bastante”, enfatiza. Mais um feito do qual a guerreira também muito se orgulha foi a implantação da UBS República: “a gente trabalhou muito por isso”, assegura. “Agora sou conselheira gestora na UBS Aurélio Mellone. Mas já fui do Conselho da Supervisão Técnica de Saúde, e sou representante dos movimentos sociais”, encerra.
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