Secretaria Municipal da Saúde
Dia de luta contra o alcoolismo alerta para a prevenção na capital
Texto: Maria Lúcia
Foto: Mariana Garcia
Até dezembro de 2018, a Saúde municipal teve 32.038 pessoas cadastradas no serviço dos Centros de Atenção Psicossocial – CAPs. Os 92 equipamentos de saúde mental, dos quais 30 deles Infantojuvenis (CAPS IJ), 32 Adulto e 30 exclusivamente para tratar a dependência do álcool e outras drogas (AD) funcionam diariamente, de segunda a sexta das 7h às 19h.
Nestes centros, o individuo ou familiar são recebidos para o tratamento terapêutico sem a necessidade de encaminhamento. Considerando que o alcoolismo é uma doença que afeta milhares de famílias, a SMS mantém nestes centros os cuidados aos usuários, promovendo a saúde integral das pessoas e buscando ampliar o acesso aos serviços que compõem a rede de Atenção Psicossocial: a UBS (Unidade Básica de Saúde), CECCO (Centro de convivência e Cooperativa), leitos em hospital geral, Unidades de Acolhimento (U. A.).
O fluxo é organizado a partir do acolhimento realizado nos CAPS ou pela UBS. Nos CAPS, a oferta de cuidados é de acordo a necessidade específica de cada usuário utilizando a multidisciplinaridade na rede. Há atendimento individual, grupos psicoterápicos e terapêuticos, tratamento medicamentoso, oficinas culturais, atendimento familiar, atividades de lazer e de inserção social dos integrantes do programa de recuperação.
Alerta para a prevenção
Paulo se assume como adicto e afirma que só conseguiu a recuperação frequentando o CAPS
A Organização Mundial de Saúde (OMS, 2001) alerta que cerca de 10% das populações dos centros urbanos de todo o mundo consomem abusivamente substâncias psicoativas independentemente da idade, sexo, nível de instrução e poder aquisitivo.
O uso indevido de álcool e tabaco tem a maior prevalência global, trazendo também as mais graves consequências para a saúde pública mundial.
Segundo a OMS e a Classificação Internacional de Doenças - 10 (CID 10) o termo correto para o alcoolismo é Síndrome de dependência do álcool e “uso nocivo de álcool”, que “se referem a quadros em que se verificam danos físicos, mentais ou sociais ligados de forma inequívoca ao consumo de álcool, sem que haja a presença da dependência", explica a psicóloga, Teresa Cristina Endo, assessora técnica da Área de Saúde Mental ,Álcool e Drogas (AD) da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) da cidade de São Paulo.
A Síndrome de dependência, segundo a psicóloga, se caracteriza por um desejo imperioso de ingerir a droga e à dificuldade de controlar o consumo. A utilização persistente também caracteriza esse quadro no qual o indivíduo dá prioridade ao uso da droga em detrimento de outras atividades, assim como o aumento da tolerância à substância.
O termo "alcoólatra", no entanto, deve ser evitado, conforme esclarece a psicóloga, pois está fortemente marcado pelo imaginário social, de julgamento moral e cunho discriminatório dirigido aos consumidores.
A especialista reitera que a pessoa que faz uso abusivo de álcool não necessariamente evolui para uma dependência. O uso abusivo pode estar circunscrito a um determinado contexto ou momento de vida do usuário, situações de crise, dentre outros fatores. Para se configurar uma dependência é necessário analisar o indivíduo, a droga e o contexto do uso.
Além de estar relacionada à exclusão social e dos agravos decorrentes do uso em excesso, como acidentes e situações de violência, a Síndrome de dependência do álcool tem vários efeitos sobre a saúde física e psíquica. No longo prazo, provoca uma série de danos ao organismo do indivíduo, como doenças dos aparelhos digestivo e cardiovascular, câncer, principalmente hepático, de estômago e de mama, deficiências nutricionais, doenças do feto e recém-nascido da mãe alcoolista, doenças neurológicas e o agravamento de outras doenças psiquiátricas.
Paulo Santiago Neres, um exemplo do trabalho dos CAPS com usuários de álcool e drogas é grato pela recuperação no CAPS.“Se eu tivesse conhecido há 10 anos, não teria adquirido esse vício que quase acabou com a minha pessoa”, declara o desenhista projetista mecânico.
Atendido pelo CAPS AD III Capela do Socorro, ele conta que começou na profissão em 1980 e, até 1990, nunca havia ingerido álcool ou qualquer outra substância química. Na década de 90, ele, que era uma pessoa tímida e fechada, passou a beber uma cerveja aos finais de semana, socialmente. “Mas por conta de um relacionamento que não foi bom, a depressão me pegou e, ao invés de uma cerveja, eu comecei a tomar uma, duas, três e fui somando, até que o vício entrou em meu organismo. Com o vício, eu comecei a chegar atrasado na firma, nunca tinha acontecido isso.
Como o meu trabalho era primordial, nessa somatória de atrasos e até faltas eu, que estava há quatro anos na empresa, fui dispensado e o vício deslanchou: de uma, duas cervejas por final de semana, passei a beber segunda, terça, quarta...”, relata.
Seus pais, também muito fechados, apesar de idosos, estavam bem. “Mas criou-se um impasse entre nós. Minha mãe era a pessoa mais próxima de mim. Ela sempre soube do meu vício, mas eu nunca levei uma lata ou garrafa de cerveja pra dentro de casa. Existia um bar do lado da minha casa e, em 10 anos que essa pessoa tinha esse bar, eu só entrei lá umas duas vezes; sempre procurava beber afastado, seria uma vergonha minha, dos vizinhos. Morando no Grajaú, eu ia para Interlagos, onde a ex -mora, consumia e ficava reservado, nunca em grupo. Tímido, mesmo quando tomava cerveja, eu não me abria."
Paulo lembra que o pai também sabia, era um amigo, porém um pouco distante. "Embora estivéssemos morando juntos, era aquele amigo que eu não tinha muito contato. Ele ia trabalhar e só voltava à noite; eu também trabalhando e às vezes estudando, a hora que ele chegava não coincidia. Ele era tímido, fechado, o que fez com que eu me tornasse uma pessoa fechada até para as namoradas que eu tive, que não foram muitas. Elas chegavam até a minha mãe e falavam: -- O Paulo é fechado e ela falava: É o jeito dele..."
O pai dele faleceu em 1997, aos 83 anos, devido a complicações da diabete. Com a perda do pai e sem emprego, o vício de Paulo só piorou. "Porque eu perdi o chão, era meu pai. Não usei outro tipo de droga, só o álcool; cerveja até então, mas alterei a dosagem, só aumentou. Eu não tive abertura para continuar na profissão, por causa do avanço da tecnologia. Antes eu trabalhava como desenhista projetista, mas na prancheta, o que era normal. Depois, entrou o computador, eu até quis fazer cursos, mas preferia a droga, o álcool, e acabei não conseguindo voltar ao que eu gostava de fazer.”
Com o decorrer do tempo, a mãe dele começou a contrair doenças devido à idade e passou a ser atendida pelo Programa de Assistência ao Idoso (PAI). “Quando chegou essa equipe para cuidar da minha mãe, eu contei meu caso ao coordenador que, vendo a situação, me indicou ao CAPS. Em 25 de agosto de 2015 eu, bem atendido pelas meninas da recepção, feito a minha ficha, já comecei a frequentar. “Foram 26 anos de alcoolismo. Eu sempre tentava parar, parava 4 meses, 4 meses e meio, não conseguia, voltava; continuava mais 3 4 anos, parava um mês, 2 meses e voltava, sempre com a dosagem alterada.
Paulo se assume adicto e afirma que só conseguiu a recuperação frequentando o CAPS. “Então, eu falo a todas as pessoas que estão passando pelo mesmo problema, que procurem o CAPS mais próximo da residência. Tive essa oportunidade há três anos quando comecei a frequentar o CAPS AD III da região da Capela do Socorro. Todo viciado em qualquer tipo de drogas chega ao CAPS como se fosse aquele cubo mágico, com o cérebro totalmente fora de posição, porque o uso da droga faz com que isso aconteça e acontece realmente. No CAPS, principalmente onde eu frequento, psicólogos, psiquiatras, enfermeiros, conseguem, isso de pessoa para pessoa, é diferente; uns demoram meses; outros, anos, mas o ideal é nunca desistir. E no final, com certeza, você vai conseguir sair com esse cubo mágico, que é o seu cérebro, montadinho, do jeito que era antes. E a partir daí, só vida”, finaliza.
Saiba os horários dos eventos desta semana sobre a luta contra o alcoolismo aqui.
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