Secretaria Municipal da Saúde
Tratamento do alcoolismo tem portas sempre abertas nos Caps da capital
Beber pode até ser uma forma de diversão, mas está longe de ser brincadeira. O alcoolismo é uma doença com impacto físico e psicossocial, que em casos graves pode levar ao coma e até a morte.
Na capital paulista, os dependentes de álcool, tabaco e outras drogas podem contar com o tratamento oferecido pelos Caps, os Centros de Apoio Psicossocial, que são a entrada para o atendimento na área de Saúde Mental dentro da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo (SMS) e que funcionam em regime porta aberta, sem necessidade de agendamento prévio ou encaminhamento, e oferecem acolhimento e tratamento multiprofissional.
“A prontidão é o procedimento mais importante para o início de um tratamento de recuperação. Aqui a gente escuta. Pode ser que o usuário desista no dia seguinte, nem sempre é uma única desistência, ele pode abandonar o tratamento várias vezes. O dependente químico é muito marginalizado. Mas a escuta, o acolhimento e a possibilidade de tratamento ficam marcados dentro dele. E ele geralmente volta”, revela o psiquiatra Joel Coradete Junior, gerente do Caps Álcool e Drogas (AD) II Vila Madalena e professor da residência médica em psiquiatria do Hospital Municipal do Campo Limpo.
O médico explica que o alcoolismo é estudado e tratado por duas correntes: uma atribui à doença uma carga genética e outra uma forma psicodinâmica. Particularmente, o professor acredita que o alcoolismo é uma doença de aspectos psicológicos associados do consumo de álcool que age sobre os neuroreceptores do organismo. "A gente tem a dependência física, orgânica e psicológica do álcool. O tratamento, dependendo do caso, pode ser feito em ambiente Caps e em outros casos mais severos é necessária a internação”, explica.
O uso de álcool geralmente começa na adolescência ou na fase adulta. Pode ser numa festa, na rua ou até mesmo em casa. Ele pode estar associado ao lazer ou à fuga de problemas. Coradete pontua que existem cinco características de personalidade que podem predispor o indivíduo à dependência química caso ele entre em contato com uma droga: o imediatismo, a dificuldade de lidar com as frustrações, a busca do prazer, a fuga do desprazer e a tendência a transgredir regras. "Essas características a maioria da população tem. Quando você recorre à droga para aliviar qualquer uma delas começa a dependência", alerta o médico.
O vício instalado é percebido numa fase de prejuízo e negação. A pessoa pode se atrasar, ter dor de cabeça, perder a hora, brigar, em episódios pontuais, brandos ou minimizados pela família ou amigos, como pode passar a ter um comportamento crônico e nocivo com muitos prejuízos como a perda do trabalho, de um evento importante, do casamento, da família e até da vida. Para o psiquiatra, o grande problema do agravamento de uma dependência é a negação, o não assumir o vício, ou as justificativas do tipo "foi só esse dia", "eu consigo parar".
Geralmente, é alguém da família do usuário que vai ao Caps em busca de orientação. O médico aponta que o suporte familiar é muito importante para a evolução do tratamento, mas revela que a família também é codependente no processo. Desta forma, é necessário tratar o conjunto de pessoas envolvidas.
Uma luta longa e diária
“Comecei a beber de 14 para 15 anos e bebi muito até 2015. Sabe aquela coisa de um amigo que vai e você vai também? Mas no meu caso também vem de família. Meu pai e meus dois irmãos eram alcoólatras. Um ainda é.
Eu sou Álvaro Isabel Tófolo, tenho 66 anos.
Eu era taxista e eu bebia dirigindo. Até o meio-dia eu trabalhava bem, à tarde eu trabalhava alcoolizado. Eu bebia conhaque ou vodka. Eu tinha as minhas paradas certas. Até a 10ª dose eu consegui contar. Depois, não."
O depoimento de Álvaro é forte. Mas ele também é. De dentro do carro parado à sombra de uma árvore, ele conversou com a equipe do Portal da Secretaria Municipal da Saúde em uma chamada de vídeo acompanhada pelo psiquiatra Joel Coradete, seu médico no Caps AD II Vila Madalena - Prosam.
Ele conta que nunca se machucou, nunca ofendeu um passageiro, mas sofreu ou provocou muitos acidentes, cujos prejuízos materiais lhe renderiam um carro zero. A vida de alcoólatra que o tornava irritado, valente e dono da verdade lhe causou sérios danos. “Eu perdi minha esposa e minha família”, conta.
Um dia após um acidente de trânsito, Álvaro procurou a ex-esposa e pediu ajuda para a internação. "Ela me levou ao Cratod (Centro de Referencia de Álcool Tabaco e Outras Drogas) e me levaram para o Lacam, onde fiquei 97 dias, e de lá fui encaminhado ao Caps Prosam. Fiquei abstinente dois anos e dois meses. Tive uma recaída e fiquei mais de um ano bebendo. Em 2015, voltei pro Caps e dia 20 de março completo dois anos de abstinência de novo", comemora.
Em 2015, depois de uma segunda separação, Álvaro foi morar numa república, de onde foi despejado. O vício era tanto que ele não conseguia trabalhar e ter dinheiro suficiente para o aluguel. "Eu dormia no carro, no pátio de um posto de gasolina onde pagava para tomar banho", conta.
Mais uma vez ele recorreu à mãe de seus filhos, que o acolheu como hóspede e condicionou a ajuda ao tratamento para o alcoolismo. Seis meses depois, já em novo tratamento, eles reataram o casamento.
“Eu resgatei a minha vida, a saúde, minha dignidade e minha moral, principalmente com meus filhos. Hoje tenho uma vida natural. Eu era falso comigo mesmo. Nervoso, irritado, discutia com todo mundo. Mas conseguia distinguir quando estava ou não com passageiro no táxi”, relata. O psiquiatra Joel Coradete Junior acrescenta que o comportamento nervoso e a irritação são características comuns dos dependentes químicos, principalmente nas crises de abstinência.
Álvaro seguiu à risca todas as orientações recebidas no Caps. “A psicóloga me sugeriu fazer aula de artesanato e hoje sei desenhar, pintar, faço esculturas em gesso e madeira. Também fiz curso de culinária e minhas especialidades são massas e omeletes. Faço omelete de tudo, até de jiló”, revela.
A história de Álvaro carrega uma trajetória com todas as características de ação, tratamento, recaídas e volta, mas hoje, ele não só se mantém abstinente como também integra o Conselho Gestor do Caps AD Vila Madalena e colabora para a reabilitação de outros pacientes. E mais: se revelou ator no grupo de teatro terapêutico do Caps encenando Shakespeare e Ariano Suassuna, inclusive nos palcos da cidade.
"Eu refiz a minha vida e disponho de coisas dentro de mim que eu não conhecia. Mas a maior felicidade veio da minha filha que no ano passado me disse: ‘Pai, eu me orgulho de você!’”, diz, sem esconder a emoção.
Uma rede de tratamento
O álcool é uma droga que gera crises de abstinência e estas crises, dependendo da gravidade, podem levar a óbito. Ansiedade, tremores, sudorese, alterações metabólicas e até alucinações fazem parte do conjunto de sintomas.
Em casos leves e moderados, o tratamento pode ser iniciado imediatamente no Caps com medicação baseada em tiamina, substância do complexo B e calmante. "A medicação interrompe a crise e minimiza a síndrome de abstinência. A bebida também interrompe os sintomas, mas a longo prazo pode levar ao coma e até a morte. A nossa abordagem é mostrar ao usuário que ele pode não beber e a gente pode tratar os sintomas e dar a ele a possibilidade de uma nova vida", comenta o psiquiatra Joel Coradete.
Em casos mais graves é feito encaminhamento para a internação num hospital e depois se retoma o acompanhamento multidisciplinar e tratamento na rede Caps. O médico aponta que o alcoolismo também traz comorbidades como a depressão e a ansiedade, que também precisam ser tratadas.
Alcoolismo na pandemia
A psiquiatra Liamar de Abreu Ferreira, assessora da área técnica de Saúde Mental da SMS, acrescenta que o impacto da pandemia da Covid-19 no emocional das pessoas também potencializou o consumo de bebidas alcoólicas. "Mesmo em casa, as pessoas estão bebendo mais e em família, o que em algumas situações pode acarretar em outros problemas."
Os médicos fazem um alerta para que, ao beber, as pessoas o façam de forma moderada, comam algo e bebam água entre os goles. E, principalmente, não dirijam para evitar riscos de acidentes.
A rede Caps na capital oferece apoio, tratamento e atendimento integral. Hoje são mais de 300 pacientes mensais ativos em tratamento de dependência química.
Os Caps AD II funcionam até as 19h, sem acolhimento noturno. A unidade Vila Madalena fica aberta até as 21 horas. Já os Caps AD III possuem acolhimento noturno sob encaminhamento. As equipes do programa Consultório na Rua são os braços de apoio clínico e mobilização para tratamento nos Caps.
Para encontrar a unidade mais próxima é só consultar a plataforma Busca Saúde.