Secretaria Municipal da Saúde
Projeto Crônicas de Marias é referência na saúde da capital
O “Crônicas de Marias”, projeto terapêutico desenvolvido pelo Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD) II Sapopemba, da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), é referência para escuta qualificada de mulheres na cidade de São Paulo. Em razão do êxito obtido com a estratégia de oferecer acolhimento a mulheres que sofrem violência ou enfrentam algum outro tipo de angústia, como solidão, a iniciativa foi expandida para a Unidade Básica de Saúde (UBS) Iaçapé, também localizada na zona leste da capital.
Mais de 500 cidadãs já foram beneficiadas pelo projeto que propõe um modelo de conversa que reúne e incentiva mulheres frequentadoras dos dois equipamentos de saúde a contarem suas histórias e dividi-las com outras que passam por situações semelhantes. Uma forma de compartilhar sentimentos, gerar empatia e dar empoderamento a elas que, em sua maioria, chegam aos locais com baixa autoestima.
O projeto já rendeu mais de 100 crônicas de cerca de 90 mulheres e atendeu um total de 544 nas duas unidades, sendo 318 no Caps Sapopemba e 226 na unidade Iaçapé, onde funciona desde agosto do ano passado. Cada grupo é composto por até 12 mulheres.
A seguir, trecho da crônica “Maria vai com as outras? Vaiii!”, escrita coletivamente: “‘Existe vida depois da droga? Porque a vida de quem não vive a nossa vida, é maravilhosa! Eu tenho 72 anos, já vivi tanta coisa, já tive filhos, só não escrevi livros, mas de alguma forma estou contribuindo com as histórias das Marias aqui. Mas é tamanha a depressão, que não consigo limpar a casa, me arrumar, logo eu que era tão organizada.’ Essa pergunta nos levou até a palavra ´felicidade´, que para elas tinha vários significados: para umas, felicidade era euforia, para outras a sensação que antecede à bad do pó, para outras era a anestesia da tristeza e da dor.”
O que começou com depoimentos de usuárias de substâncias psicoativas sobre as dificuldades do dia a dia de cada uma, também mostrou histórias que passavam por violência, solidão, baixa autoestima, dificuldades da maternidade, relações abusivas e muitas outras situações comuns a tantas delas. Foi aí que nasceu a ideia de registrar esses relatos no papel, batizado de “escrevivências”, como forma de escrever vivências e inspirar umas às outras.
Nas sessões, elas têm sua identidade preservada e todas são primeiramente “Marias”. Um segundo nome é escolhido por elas que, de alguma forma, identifique sua história. A “Maria do Cuidado”, por exemplo, cuida do marido com Alzheimer e de uma sobrinha doente; já a “Maria Queimada”, ateou fogo ao próprio corpo para tirar uma dor que não passava, quando tinha 24 anos e quatro filhos. Um ato de desespero que não tirou sua vida, mas deixou marcas que ela contou nas linhas de sua crônica.
“O projeto não é direcionado especificamente às vítimas de violência, mas a violência aparece muito forte na vida de todas, então elas se reconhecem e não são julgadas, são acolhidas com as suas realidades de vidas. O ‘Crônicas’ tem o potencial de recontar histórias de forma poética e as histórias acabam sendo muito parecidas. Isso é potente demais. Virou uma irmandade que transcende qualquer informação técnica”, diz Mara Figueira da Rocha, gerente do Caps AD II Sapopemba.
A gerente diz ainda que percebe as mudanças na vida das frequentadoras do projeto, desde a que mudou sua história e recuperou a guarda da filha, à outra que reduziu o uso de substâncias ou ainda as que procuram o Caps fora do horário das sessões porque sofreram alguma violência e lá encontram conforto.
Premiação
Em 2022, o projeto “Crônicas de Marias” foi reconhecido como modelo nacional de atenção à saúde na “17ª Mostra Brasil, aqui tem SUS”, promovida pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e também pelo “11º Prêmio David Capistrano”, promovido pelo Conselho de Secretários Municipais de Saúde (Cosems).
O “Crônicas de Marias” é realizado desde 2021 no Caps AD II Sapopemba, toda segunda-feira, às 15h30, e na UBS Iaçapé, às sextas-feiras, às 15h.
O Caps é um serviço porta aberta do Sistema Único de Saúde (SUS), ou seja, não precisa de encaminhamento, porém a SMS ressalta que as UBSs também são porta de entrada para o atendimento. Entre 2021 e 2022, ao todo, 1.425 mulheres foram atendidas no Caps AD II Sapopemba.