Secretaria Municipal da Saúde
Mulheres cuidam de mulheres na luta contra a dependência química no Caps AD
Um espaço de cuidado voltado para as questões do feminino, onde as mulheres pudessem discutir sem o olhar do julgamento moral, do preconceito social ou até mesmo da timidez, temas para além do consumo de álcool e outras drogas.
Foi com esse propósito que o Caps Álcool e Drogas (AD) II Vila Madalena – Prosam elaborou há cerca de dez anos um Projeto Terapêutico Singular (PTS) só para mulheres e coordenado também por terapeutas mulheres para aumentar a adesão e permanência no serviço de reabilitação.
O psiquiatra Joel Coradete Junior aponta que o preconceito com a mulher usuária de álcool e/ou drogas é muito presente numa sociedade machista como a nossa, e mais um dificultador, para que essas mulheres procurem um serviço especializado.
“Essa é mais uma forma de agressão contra a mulher, que tem uma dificuldade muito maior de se expor pelo temor de ser julgada e, no caso das dependências químicas, a mulher é muito mais julgada que o homem”, revela o médico, que também é o gerente do Caps Vila Madalena.
Ele ressalta que as mulheres sempre estiveram presentes na rotina da rede de atenção, mas a baixa adesão ao tratamento norteou o PTS no município, que hoje é uma das meninas dos olhos no atendimento em saúde mental, ou melhor, integral.
“Criamos um ambiente favorável, diferenciado, para que elas ficassem e aderissem ao tratamento trazendo temas que permeiam ou que andam em conjunto com a vivência do consumo de álcool e outras drogas, tais como a gravidez, a maternidade, a prostituição, a contracepção, a perda da guarda dos filhos, a violência doméstica, o estupro, o viver com HIV/Aids, o preconceito social, o mercado de trabalho, o amor, a parceria sexual, a autoestima, prevenção a riscos de infecção por IST/Aids, a violência das ruas, o abandono familiar, a criação dos filhos ou o resgate destes, a dificuldade financeira e/ou qualquer outro tema que elas queiram abordar”, elenca a psicóloga e psicodramatista Sueli Santos, que coordena o atendimento às mulheres.
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Especializada em álcool, drogas e HIV/Aids, ela conta que se formou em psicologia dentro da Santa Casa de São Paulo, em 1982, onde também começou a trabalhar no Programa de Residência Multiprofissional em Álcool e outras Drogas. E, desde 1985, atua na Prosam – Associação Pró-Saúde Mental, uma ONG formada na Santa Casa e parceira do Caps.
Cuidando de pessoas
“Cuidar dessas pessoas é o meu trabalho da vida inteira”, resume Sueli. “Mas percebemos que a partir desse olhar e a criação do espaço, a relação das mulheres com o serviço foi se modificando e com o passar dos anos, se tornou uma referência interna principalmente para as mulheres que em algum momento abandonam o tratamento e, ao retornarem, vêm em busca do grupo. Percebemos a mudança no processo de adesão e nas pequenas conquistas na reorganização da vida sem droga. Mudança na postura e na construção de um projeto de vida futura, mesmo para aquelas mulheres que ainda não conseguem ou não querem parar por completo o consumo de álcool e outras drogas, princípio básico da Redução de Danos.”
A psicóloga e psicodramatista Sueli Santos coordena o atendimento às mulheres no Caps AD II Vila Madalena - Prosam (Foto: Secretaria Municipal da Saúde)
O grupo de trabalho é formado por mulheres de idades variadas, dependentes ou usuárias de álcool, cocaína, maconha, crack, ecstasy e LSD. O encontro é semanal e dura cerca de duas horas.
Essas mulheres chegam ao CAPS, em sua maioria encaminhadas por uma Unidade Básica de Saúde (UBS), pela Justiça ou em menor quantidade por vontade própria ou com apoio da família. Muitas perderam a guarda dos filhos e querem reaver. Muitas têm mães idosas e temem por elas.
Sueli conta que no momento o perfil das pacientes em tratamento é de mulheres adultas, na faixa dos 30 aos 60 anos, muitas profissionais liberais, que se envolveram com homens usuários ou buscaram refúgio aos problemas emocionais no álcool e nas drogas.
A psicóloga aponta que muitas delas buscam apoio no serviço, mas o consumo continua. Muitas também abandonam o tratamento. Outras voltam. E sempre o preconceito se faz presente nos depoimentos.
“O preconceito ocorre até mesmo entre os próprios usuários. Em uma cena de uso na rua ou até mesmo em casa, um homem ou o próprio companheiro compartilhar drogas com uma mulher grávida parece não ter importância. Mas dentro de um grupo misto, em um serviço de saúde, o julgamento masculino aparece de forma gritante: ‘você, grávida, usando drogas, não pensa no seu filho?’. Esta é uma fala que afasta a mulher do serviço. Tal julgamento não aparece num grupo formado só por mulheres. O que queremos é que essa mulher fique no serviço e que receba os cuidados necessários para levar a termo essa gravidez que já é considerada de risco pelo fato de essa mulher ser uma usuária de álcool ou drogas”, afirma a psicóloga. “Assim vamos, junto com elas, construindo um processo de cuidado voltado especificamente para o público feminino”.
E neste universo de cuidado e inclusão, o corpo clínico do Caps percebe um aumento de procura por tratamento de mulheres trans, o que já motiva a discussão pela equipe de processo de cuidado para essas mulheres.
O impacto da pandemia
O Caps Vila Madalena possui dois grupos de atendimento exclusivo às mulheres, um que funciona no período da manhã e outro à tarde.
Antes da pandemia, somente o grupo coordenado por Sueli Santos reunia em torno de 15 mulheres semanalmente. Contudo, a pandemia da Covid-19 tem alterado muito a frequência das pacientes. Atualmente, o atendimento é feito individualmente e com revezamento, em torno de seis ou sete por semana. Algumas recebem atendimento por telefone.
Sueli aponta que mesmo com as medidas de enfretamento à doença, o trabalho na rua não parou, embora as cenas de uso nestes locais sejam prioritariamente masculinas.
Sobre os impactos da pandemia, a psicóloga analisa que, de um modo geral, as pessoas aumentaram o consumo de álcool ou drogas, e as que estão em tratamento diminuíram ou espaçaram a frequência no serviço de tratamento. O impacto real deste momento só poderá de fato ser analisado e tratado no futuro.
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