Secretaria Municipal de Cultura
Informativo n.39
ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL DE SÃO PAULO
E DOCUMENTOS REMOTOS DO BRASIL
Azilde Andreotti
Água do meu Tietê, onde me queres levar?
- Rio que entras pela terra
E que me afastas do mar...
Mário de Andrade
(A meditação sobre o Tietê)
Este novo número do Informativo do Arquivo Histórico Municipal aborda os documentos mais antigos preservados por esta instituição. Para tanto, retomamos um pouco da história e da vocação deste Arquivo como equipamento cultural, educativo e de preservação da história da cidade de São Paulo.
Arquivo Histórico Municipal
Uma das instituições culturais mais antigas de São Paulo, o Arquivo Histórico Municipal (AHM), da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, tem como função principal guardar, organizar, preservar e disponibilizar os documentos da cidade. Sua origem data de 1907, pela Lei n. 1.051, como uma seção da Secretaria Geral da Prefeitura, que acolheu toda a documentação administrativa conservada do município.
Com a criação do Departamento de Cultura, em 1935, dirigido, nos primeiros anos, por Mário de Andrade, essa documentação preservada ficou a cargo da Divisão de Documentação Histórica. A estrutura atual da Secretaria Municipal de Cultura é de 1975, ano em que foi organizado o Departamento do Patrimônio Histórico, com a Divisão do Arquivo Histórico Municipal, que passou a manter esses documentos.
Em homenagem ao paulista Washington Luís, ex-prefeito de São Paulo (1914-1919), ex-presidente do país (1926-1930) e autor de algumas obras históricas sobre a cidade, o Arquivo, desde 1970, levou o seu nome. Já em 2012, tornou-se Departamento e, em 2016, foi renomeado Arquivo Histórico Municipal.
O AHM mantém uma Supervisão do Acervo Permanente, responsável por 2 mil metros lineares de documentos textuais e iconográficos, que remontam à organização político-administrativa da cidade e ao seu cotidiano, desde a fundação, no século XVI, até a primeira metade do século XX.
Possui uma Biblioteca especializada sobre São Paulo, com 8 mil volumes, que guarda em seu acervo documentos institucionais, transcritos e publicados, desde o século XVI; a Revista do Arquivo Municipal, editada entre 1934 e 2015 (publicação que abrange documentos históricos, pesquisas “padrão de vida” da cidade de São Paulo, ordens régias e artigos sobre cultura e educação); a série História dos Bairros de São Paulo, entre outras fontes de pesquisa.
A atual organização do AHM é composta também pelo Núcleo de Denominação de Logradouros Públicos e Próprios Municipais, com o Dicionário de Ruas, que possibilita a realização de pesquisas sobre denominações de logradouros paulistanos www.dicionarioderuas.prefeitura.sp.gov.br, pela Supervisão de Conservação do Acervo e a Supervisão de Pesquisa e Difusão, que conta com o setor Educativo, responsável pelas visitas técnicas agendadas pelo e-mail educativoarq@prefeitura.sp.gov.br e visitas patrimoniais espontâneas.
O AHM ocupa o Edifício Ramos de Azevedo, projetado em 1902 e inaugurado em 1920, prédio de reconhecido valor histórico e arquitetônico, tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo – Condephaat e pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo – Conpresp. Faz parte também do tombamento do Conjunto Arquitetônico e paisagístico do Bairro da Luz, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan.
Podemos afirmar que a história do AHM confunde-se com a da cidade de São Paulo, ao considerarmos, com certa liberdade de interpretação, que o princípio da guarda de documentos deu-se, de acordo com as Atas da Câmara do século XVI, na sessão de 16 de maio de 1575 (volume 1562-1599, p. 73), quando o procurador do Conselho da Câmara requereu que se comprasse uma caixa, na falta de um carpinteiro que a fizesse, para se guardar os papéis da Câmara.
Atas da Câmara de São Paulo – documentos oficiais
Referindo-se à cidade de São Paulo, o historiador Affonso d’Escragnolle Taunay afirmou: nenhuma das nossas grandes cidades quinhentistas pode ufanar-se da posse de um archivo como o de São Paulo (TAUNAY, 1920: 22). Esse arquivo de que trata o historiador diz respeito às Atas da Câmara de Santo André da Borda do Campo, de 1555 até 1558, e às Atas da Câmara da Vila de São Paulo, desde 1562 (algumas Atas se perderam).
Fonte primária de pesquisa, esses documentos retratam a estrutura e o funcionamento da administração local no período quinhentista. São documentos oficiais que informam sobre a organização dessas Vilas na esfera e no espaço público e assim, sobre os fundamentos da nossa formação colonial.
Tanto a Vila de Santo André da Borda do Campo, quanto a Vila de São Paulo pertenceram à Capitania de São Vicente. Em 1560, a Vila de Santo André, primeira povoação da região do planalto, foi transferida com a sua Câmara para a Vila de São Paulo ou São Paulo de Piratininga, núcleo instalado no alto da colina. Local de origem da cidade de São Paulo, onde hoje é o Pátio do Colégio. Fatores geográficos, como a falta de um rio (Ata de 20 de setembro de 1557), e a segurança em relação aos ataques indígenas, fizeram com que Santo André fosse extinta.
As Atas da Câmara, na sua forma original, são manuscritos de papel de trapo, de difícil leitura pela ortografia da época e caligrafia dos escrivães. A partir de 1914, foram publicadas em volumes, com o apoio de Washington Luís, então prefeito de São Paulo. Segundo apresentação de Manoel Alves da Costa, responsável pela publicação das Atas originais: “contratei em janeiro de 1914, a publicação das Actas de 1555, até 1826. São 53 volumes manuscritos. Os primeiros 26 volumes foram decifrados pelo snr. Francisco Escobar e os 27 restantes, serão decifrados por mim”. (Atas da Câmara, 1914). A Biblioteca do AHM mantém as Atas de Câmara em volumes até 1903.
Essa publicação facilitou o acesso ao conteúdo desses documentos. Mesmo assim, é fundamental a preservação dos originais por retratarem a memória de um período: forma do registro, tipo de letra, material utilizado, ortografia e assinaturas originais, como também por possibilitarem uma volta às fontes, quando necessário.
Entre agosto e dezembro de 2005, os originais foram reacondicionados e atualmente os de 1555 até 1587 estão digitalizados e ainda não disponíveis no banco de dados do AHM.
Aspectos de São Paulo quinhentista
Sobre esses primeiros anos da Vila de São Paulo, vários estudiosos utilizaram as Atas da Câmara como fonte de pesquisa, nas mais diversas abordagens. Refiro-me aos trabalhos de Affonso Taunay; Tito Livio Ferreira; Aureliano Leite; Manoel de Azevedo Marques; Frei Gaspar Madre de Deus, além da historiografia “paulística” vinculada ao Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.
Entre outros contemporâneos, Laura de Mello e Souza (2005:17), aborda a produção historiográfica referente à cultura no período colonial, que se estende até 1822 e nos traz um panorama dessa historiografia dentro dos vários conceitos e modelos teóricos que norteiam o olhar do pesquisador. Assim, as fontes disponíveis e o contexto da variada produção historiográfica, envolvendo também os diversos campos da história, orientam as investigações e muitas vezes trazem novas indagações.
A propósito da Vila de São Paulo instalada no planalto e fundada em 25 de janeiro de 1554, com uma missa e inauguração do Real Colégio de São Paulo de Piratininga pelos jesuítas, reconhece-se que, nos primeiros tempos, era isolada e enfrentava grandes dificuldades, tanto pela serra, de difícil acesso, que a separava do litoral, quanto pela crueza na relação com os índios, os primeiros moradores da terra.
A Câmara da Vila era composta por um juiz, dois ou três vereadores, um procurador do conselho, um escrivão, um almotacel (fiscal e aferidor de pesos e medidas) e um alcaide (governador civil), eleitos anualmente pelos “homens bons”.
Essa Câmara se reunia regularmente e por meio de “posturas” – deliberações, tratava de questões administrativas, da economia local, dos problemas cotidianos, sobre a relação com os índios e os costumes. As Atas apresentam a transcrição dessas reuniões. Muitas vezes, segundo registros, essa mesma Câmara recorria a assembleias populares – os autos de ajuntamento – principalmente para assuntos de interesse geral.
Como ilustração, algumas Atas, por exemplo, destacam os regulamentos sobre o gado solto (19 de julho de 1578); sobre os mestres de ofício, ferreiros e sapateiros (15 de abril de 1588); sobre a produção de marmelada (19 de janeiro de 1599) e na Ata de 01 de maio de 1589, está declarada a população de 150 moradores, quando eram contados somente os homens brancos.
Para o pesquisador estudioso desse período, as Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil e o Registro Geral da Câmara são um bom complemento dessas fontes, entre tantas publicadas e dispostas na Biblioteca do AHM. Uma carta do Padre José de Anchieta ao Padre Diego Laynes, em Roma, de 31 de maio de 1560, por exemplo, descreve o clima, a fauna e diversos aspectos da Vila de Piratininga. Neste sentido, os que estão familiarizados com o trabalho em fontes de pesquisa, ou os que mais recentemente se aproximam dessa documentação, encontram no AHM material imprescindível sobre a história da cidade de São Paulo.
Ademais, não foi finalidade deste texto um exame do período colonial, mas informar sobre o AHM como equipamento público e a documentação que preserva, ao enfatizarmos os documentos mais remotos disponíveis: as Atas da Câmara do século XVI. Outro objetivo foi chamar a atenção sobre a preservação das fontes documentais para a produção da pesquisa de interesse para a história do país, para a garantia de direitos e a democratização do acesso e do conhecimento.
Arquivo Histórico Municipal
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Fone (11) 3396.6000
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Referências Bibliográficas
ACTAS da Câmara da Villa de Santo André da Borda do Campo - (1555-1558). Biblioteca do Arquivo Histórico Municipal.
ACTAS da Câmara da Villa de São Paulo – (1562-1599). Biblioteca do Arquivo Histórico Municipal.
ANDRADE, Mário. Poesias Completas. São Paulo, Livr. Martins Ed., 1966.
FONSECA, Aleilton. O Arlequim da Pauliceia. Imagens de São Paulo na poesia de Mário de Andrade. São Paulo, Geração Editorial, 2012.
LEITE, Serafim. Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil. Coimbra, 1958.
MELLO E SOUZA, Laura. Aspectos da Historiografia da Cultura sobre o Brasil Colonial. In: FREITAS, Marcos Cezar (org.) Historiografia Brasileira em Perspectiva. São Paulo, Contexto, 2005.
REGISTRO GERAL DA CÂMARA - (1583-1863). Biblioteca do Arquivo Histórico Municipal.
TAUNAY, Affonso d’Escragnolle. São Paulo nos primeiros anos (1554-1601) Ensaio de reconstituição social. Tours, Imprenta de E. Arrault et Cie, 1920.
ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL
Supervisão de Pesquisa e Difusão
Abril 2018