Secretaria Municipal de Cultura
Informativo n.40
O ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL E A INSTRUÇÃO PÚBLICA
Escolas noturnas para trabalhadores (1891-1892)
Azilde Andreotti
Sobre as fontes para a história (...). Em geral não
existe material nenhum até que nossas perguntas o
tenham revelado.
E. Hobsbawm
(Sobre História)
O município de São Paulo e a Instrução Pública
Um breve histórico da instrução pública no país após a Independência nos coloca frente a uma questão que diz respeito ao Arquivo Histórico Municipal - AHM como instituição que amplia as fontes de pesquisa para a História da Educação. Ou seja, em que período os municípios iniciaram sua participação na escolarização da população?
Veremos que após a Proclamação da Independência do Brasil, em 1822, foi promulgada uma Constituição e organizada a Comissão de Instrução Pública com a finalidade de estabelecer um sistema de escolas públicas para o Estado brasileiro.
Em 1834, um Ato Adicional a essa Constituição promulgou, sobre a instrução pública, que os cursos de “primeiras letras” e os de formação dos professores ficariam a cargo das províncias do Império e os cursos secundários e os superiores, por conta do governo central. Convém examinar essas diretrizes no contexto de um país agrário e que se valeu do trabalho escravo, onde a instrução da população caminhava a passos lentos.
Com a República, em 1889, a instrução elementar ou primária (antiga primeiras letras) como também os cursos de formação de professores permaneceram descentralizados, agora sob a responsabilidade dos Estados da Federação. Assim, os municípios pouco se envolveram com a questão da instrução pública nesse período.
Essa isenção do município se explica pela própria organização político-administrativa do Estado brasileiro, que por longo tempo ficou entre a centralização do poder e a permanência de forças locais. Escassez de recursos, questionamento da duplicidade do sistema, fixação de competências foram outros fatores que se somaram à ainda incipiente atenção dada à escolarização da população.
Na década de 1930, com a criação do Departamento de Cultura e Recreação, o município de São Paulo inaugurou uma nova política cultural, contemplando a Educação no sentido extraescolar: bibliotecas infantis, parques infantis e programas de incentivo à recreação e à cultura compuseram o projeto desse Departamento, dirigido por Mário de Andrade entre 1935 e 1937.
Em 1942, o Decreto Federal nº 4958 estabelece o Fundo Nacional do Ensino Primário que deu origem aos convênios escolares. No caso da cidade de São Paulo, o convênio previa que o município aplicaria recursos na construção de prédios escolares e o Estado instalaria classes, professores etc. As edificações escolares no município expandem-se a partir de 1947 e, em 1950, havia 21 prédios construídos e 22 em construção. (Mascaro, 1960)
Em 1947, o Decreto-Lei Municipal nº 430 reorganiza a estrutura administrativa da prefeitura e institui a Secretaria de Educação e Cultura. Em 1956, a prefeitura cria pelo Decreto Municipal nº 3185, de 02 de agosto, a primeira Escola Municipal no Tucuruvi, baseado na Lei Orgânica dos Municípios de 1947, que previa a responsabilidade do município frente à educação popular e que até então não havia sido cumprida.
Descrição de alguns documentos encontrados no Arquivo Histórico Municipal sobre escolas noturnas para trabalhadores
Os registros sobre regulamentações oficiais da participação do poder público na educação escolar indicam que somente em meados do século XX o município de São Paulo se responsabilizou pela escolarização da população. No entanto, em um levantamento sobre Instrução Pública no AHM, foram encontrados alguns volumes e documentos soltos sobre quatro escolas noturnas para trabalhadores no século XIX. Criadas pelos Intendentes Lamartine Delamare e Manoel José Ferreira, a cargo do município, funcionaram entre 1891 e 1892 (a organização do município em Intendências deu-se da República até 1898, quando houve a separação dos poderes legislativo e executivo e a criação do cargo de prefeito).
Como essa documentação por si só não revela o processo de instalação dessas escolas, foram consultadas as Atas da Câmara de São Paulo do período, onde são abordadas a legislação e algumas discussões que ensejaram esses cursos. As ideias que justificaram a instalação desses cursos noturnos estão explicitadas na sua aprovação em Sessão Ordinária de 31 de Agosto de 1891, com um aditamento de criar-se um albergue noturno, conforme as Atas da Câmara Municipal, apontadas a seguir em seu texto original:
Considerando que a instrucção disseminada por todas as classes da sociedade é o mais sólido fundamento em que podem repousar as liberdades publicas; Considerando ainda que a municipalidade, por ser a immediata representante do interesse publico, deve concorrer para a propagação desse factor do progresso; Considerando finalmente que a grande massa de operarios que, com seu trabalho e actividade, dão vida aos diversos ramos de industrias exploradas, nesta cidade, não póde, por serem diurnas, frequentar as escolas mantidas pelo Estado; Indicamos que sejam creadas e mantidas pelos cofres da municipalidade quatro escolas primarias noturnas para operários, nas freguesias da Sé, Braz, Sta. Ephigênia e Consolação. (Atas da Câmara, 1891, v. 77, p. 129-130).
A Instrução Pública, na estrutura administrativa das Intendências, pertencia a Intendência de Polícia e Justiça. O projeto de Regimento para essas escolas contém 19 Artigos, alguns transcritos a seguir:
Art.1º - As escolas municipaes são destinadas à instrucção dos operários e aprendizes que durante o dia não puderem freqüentar aulas quaesquer. Art.2º - As escolas municipais, em número de quatro, terão as seguintes denominações: 1a. Escola Municipal da Sé; 2a. do Braz; 3ª do Arouche e 4ª da Luz. Art.3º - O ensino nessas escolas ministrado comprehenderá a leitura, a escripta e o calculo. Art.12º - As aulas funccionarão das 6 às 8 ou das 7 às 9 da noite, conforme as conveniencias locaes da frequencia. Art.13º - Haverá aulas todas as noites, excepto domingos, quintas-feiras e dias feriados. (Atas da Câmara, 1891, v. 77, p.137-139).
Esse projeto de Regimento foi aprovado em 17 de setembro de 1891, pedindo-se ao governo do Estado os prédios das escolas públicas para esses cursos, apesar de algumas discussões na Câmara sobre a construção de edifícios para o seu funcionamento. Vale destacar que leitura, escrita e cálculo, conforme indica o Art. 3º citado, era o conteúdo básico das Escolas de Primeiras Letras do Império.
Nos registros das Atas, em 30 de setembro de 1891, um ofício do Presidente do Estado concede o uso desses prédios, em benefício das classes operárias, uma vez que a intendência do município se responsabilize pela conservação desses prédios e dos móveis e utensílios escolares. (Atas da Câmara, 1891, v.77, p.153).
Essas escolas eram chamadas, muitas vezes, Escolas "Delamare", nome de um dos intendentes responsável pela instauração desses cursos e seu superintendente, sem vencimentos para a função. A direção estava a cargo de um diretor nomeado pelo superintendente com a atribuição de ministrar as aulas, propor a contratação de um auxiliar ou adjunto e de um porteiro.
Nos documentos encontrados e nas discussões nas Atas da Câmara observa-se que esses cursos funcionaram durante três semestres: no segundo semestre de 1891 e durante os semestres de 1892. Em 1893, nas Atas da Câmara, sessão de 18 de março de 1893, há indicação da extinção dessas escolas: "(...) pagamento de 100 mil reis a Augusto Ribeiro de Carvalho, adjunto da extinta Escola municipal do Arouche, importância de seus vencimentos do mês de outubro do ano findo”. (Atas da Câmara, 1893, v. 79, p. 133).
Pela legislação assinalada nas Atas, as escolas noturnas para trabalhadores foram denominadas conforme a sua localização na cidade: Escola Municipal do Arouche, da Sé, do Braz e da Luz. O AHM mantém livros de matrículas das Escolas Municipais da Luz, da Sé e do Braz. Sobre a Escola Municipal do Arouche não há documentação administrativa arquivada, somente correspondências. (Fonte: Acervo do AHM, Fundo Câmara, Série: Assuntos Diversos. Volumes: 1675/1676/1679).
Esses livros de matrículas contêm os nomes dos alunos (todos do sexo masculino); idade; filiação (somente o nome do pai); naturalidade (cidade de nascimento); nacionalidade (país de origem); estado civil; profissão (com o local de trabalho); época de inscrição no curso, bem como justificativas de eliminações por falta ou em caso de mudança e o nome do diretor da escola.
Boa parte dos alunos são crianças e jovens, mas há também adultos, variando as idades de 7 a 48 anos. Nas correspondências do período das Intendências há uma Ata dos Exames da Escola Municipal da Luz realizados em 06 de junho de 1892, com os resultados de exames de leitura, caligrafia e cálculo, de acordo com o estágio de aprendizado em que se encontrava cada aluno.
Desta forma, a instalação desses cursos noturnos acompanhou o momento de urbanização e desenvolvimento da cidade de São Paulo em fins do século XIX e também refletiu os princípios republicanos de promover a instrução da população. Assim, o emprego do trabalho infantil, a instrução oferecida às classes trabalhadoras, a composição da população da cidade, polo da imigração europeia, são informações que constam nesses documentos, subsidiando pesquisas sobre a trajetória da educação escolar na cidade de São Paulo no período.
Outros registros, ainda do século XIX, como a relação dos meninos matriculados em 1845, na Escola Nacional de Primeiras Letras da Imperial Cidade de São Paulo; a descrição, assinada por uma professora, de meninas em aulas de ler, escrever e cozer, de 1835; o relatório de um inspetor das Escolas de Primeiras Letras, de 1835, sobre aulas de Ensino Mútuo, baseadas no método Lancaster, adotado no país durante o Império, mostram o legado mantido pelo AHM para a História da Educação de São Paulo. (Fonte: Acervo do AHM, Fundo Câmara, Grupo Instrução Pública).
Ademais, o AHM mantém documentos sobre Educação da administração de Santo Amaro, que foi um município de São Paulo até 1934; registros fotográficos sobre edificações escolares, além de tantas outras informações a serem ainda garimpadas e que podem provocar o olhar do pesquisador ao transformar documentos em fontes de pesquisa.
Arquivo Histórico Municipal
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Referências Bibliográficas
ACTOS do Poder Legislativo do Estado de São Paulo. 1893. Biblioteca do AHM.
ATAS da Câmara Municipal de São Paulo. 1891 a 1906. Volumes 77 e 79. Biblioteca do AHM.
COLEÇÃO de Leis e Posturas Municipais promulgadas pela Assembleia Legislativa Provincial de São Paulo. 1887. Biblioteca do AHM.
HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo, Cia das Letras, 1998.
MASCARO, Carlos Corrêa. O Município de São Paulo e o ensino primário – ensaio de Administração Escolar. Livre-docência. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, 1960.
SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. Campinas, Autores Associados, 2008.
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. Centro de Multimeios, Memória Documental. http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br acesso em 02/02/2018 e 26/02/2018.
Referências Arquivísticas das Fontes
Acervo do AHM, Fundo Câmara, Grupo Instrução Pública.
Acervo do AHM, Fundo Câmara, Série: Assuntos Diversos. Volumes: 1675, 1676, 1679.