Secretaria Municipal de Cultura
Samba de paulista
Natália Maria Salla
Grupo Carnavalesco Barra Funda, em 1915, logo após sua fundação, em Pirapora do Bom Jesus, local de peregrinação religiosa dos membros dos cordões paulistanos no início do século 20. (Acervo Centro de Documentação e Memória do Samba) |
“Levo saudade
Lá do Largo da Banana
Onde nóis fazia samba
Todas noites da semana
Deixo esse samba
Que eu fiz com muito carinho
Levo no peito a saudade
nas mãos o meu cavaquinho
Adeus Barra Funda”
( O último sambista, Geraldo Filme)
O sambista Geraldo Filme cantou sobre um dos berços do samba paulistano, localizado no bairro da Barra Funda, o Largo da Banana, suprimido em meados da década de 1950. A necessidade de ligar as marginais do Rio Tietê retificado e a região norte ao centro de São Paulo demandou a construção de um viaduto sobre a linha férrea que divide o bairro e o Largo.
Entre armazéns, residências simples e o pátio ferroviário da São Paulo Railway, os negros recém-libertos que aportaram na cidade de São Paulo entre o fim do século 19 e início do 20 criaram um espaço de lazer, com rodas de samba, gênero advindo das senzalas das fazendas de café do interior do estado. Em 1914, seria fundado por Dionísio Barbosa, nas imediações do Largo, o primeiro cordão paulistano, o Grupo Carnavalesco Barra Funda.
Nessa época, a população mais pobre da cidade concentrava-se em bairros próximos ao centro, contíguos às linhas férreas, como a Bela Vista, o Glicério e a Barra Funda, ocupados também pelas indústrias e por seus operários. Os armazéns da ferrovia demandavam o trabalho de carregadores e ensacadores das mercadorias que circulavam no pátio. Como a renda gerada era pouca, a área do entorno tornou-se um local de comercialização de frutas, especialmente de banana, por aqueles que necessitavam complementar seus ganhos; daí o nome pelo qual ficou conhecido o Largo.
O samba tocado no Largo da Banana era uma mistura de gêneros herdados do interior – nas palavras de Mário de Andrade, o “samba rural paulista” – e outros urbanos. Os ritmos africanos como o jongo e a umbigada, característicos dos rituais de cunho religioso realizados ao som de batuques e tambores nas fazendas de café, mesclaram-se aos instrumentos de corda do choro tocado na capital, dando origem ao samba paulistano – duro, forte, batucado, sem o lirismo e a cadência característicos do samba do Rio de Janeiro, como definiu o escritor e teatrólogo Plínio Marcos.
O Grupo Carnavalesco Barra Funda, assim como outros cordões que surgiram na cidade também no começo do século 20, desfilavam em procissão durante os dias de carnaval. Alguns locais eram passagem obrigatória, como as residências dos beneméritos e os salões freqüentados pela comunidade negra no centro da cidade. Os cordões dividiam o espaço nas ruas com os folguedos, festas abertas organizadas por associações carnavalescas, e com os carros alegóricos – os préstitos ou cortejos –, durante os dias de carnaval.
O primeiro desfile de cordões da cidade foi organizado em 1934, dado o significativo número de grupos formados pela população negra que festejava o carnaval ao som do samba. O Grupo Carnavalesco Barra Funda foi fechado no final da década de 1930 por Getúlio Vargas, pois seus integrantes foram confundidos com os membros do Partido Integralista, opositor ao governo, por vestirem camisas verdes. Foi reaberto em 1954 com o nome Camisa Verde e Branco, em alusão a outra peça do uniforme utilizado pelos seus componentes, a calça branca.
Na década de 1950 surgiram, em São Paulo, as primeiras escolas de samba e em 1954 foi realizado o primeiro desfile, no Parque do Ibirapuera. Alguns anos depois, em 1968, foi organizado pela Prefeitura o concurso entre as escolas de samba realizado anualmente até hoje, premiando as agremiações melhor classificadas.
As práticas sociais presentes no convívio entre aqueles que participavam dos cordões desapareceram paulatinamente com o concurso de carnaval, a partir da década de 1970. A tradição dos cordões perdeu força com a ascensão de novas formas de festejo, embaladas também pelo samba, e apoiadas pela Prefeitura. Em São Paulo, dois cordões transformaram-se em escolas: Camisa Verde e Branco e Vai-vai, do bairro da Bela Vista.
A relação dos membros dos cordões com o samba, seus agentes ritualizantes de inspiração religiosa ligada às tradições africanas definiram a musicalidade de parte da população de São Paulo. O samba paulistano, nascido no Largo da Banana, espalhou-se pela cidade durante a segunda metade do século 20, foi incorporado a outras comunidades e festejos, formando novas agremiações, como as escolas de samba, que ainda hoje o cultivam nos desfiles realizados no Sambódromo do Anhembi.
SÃO PAULO. Cidade. Em Cartaz: guia da Secretaria Municipal de Cultura. n. 32, fev. 2010. p. 48-49.
Texto revisto em 28.9.2010.