Secretaria Municipal de Cultura

Inventário de Obras de Arte em Logradouros Públicos da Cidade de São Paulo

Fauno

Quando as verbas para a execução do Monumento às Bandeiras escassearam, no começo dos anos 1940, Victor Brecheret (Farnese, Itália, 1894 – São Paulo, 1955) pôs-se a modelar, no seu barracão de trabalho no Ibirapuera, a figura de um fauno. Ao ver a obra ainda em terracota, o prefeito Prestes Maia lembrou-se do jardim que planejava para os fundos da nova Biblioteca Municipal, que deu origem à atual praça Dom José Gaspar. Tratando-se de uma divindade mitológica campestre, quando transposto para o granito, a imensa figura do fauno faria uma bela composição com a vegetação da praça.

Encomendou-a ao escultor e cuidou de sua implantação assim que as obras de abertura do logradouro foram concluídas.

Dizia-se, contudo, que o arcebispo de São Paulo não teria gostado de ver a estátua de Pan — uma imagem diabólica, com patas e chifres caprinos — nas matas do antigo Palácio Episcopal, onde costumava ler seu breviário antes da desapropriação pela Prefeitura. Verídica ou não, o certo é que a história correu e, tão logo José Carlos de Macedo Soares assumiu o cargo de Interventor Federal no Estado de São Paulo (3.2.1945 — 13.3.1947), sua esposa, Dona Matilde, providenciou a remoção do Fauno para longe dali, “escondendo-o” entre as árvores do Parque Tenente Siqueira Campos. Em seu lugar, mandou colocar uma grande cruz de granito, com uma inscrição lembrando que, naquele local, os Arcebispos Metropolitanos Dom José Gaspar e Dom Duarte Leopoldo e Silva “rezavam o breviário”. O próprio escultor acompanhou a remoção da escultura e escolheu um local no parque, garantindo uma ambientação adequada.

O meio artístico e intelectual não recebeu bem a transferência da obra e manifestou sua insatisfação através da imprensa. O Correio Paulistano chamou o fato de “A dança das estátuas”. Menotti del Picchia, em A Gazeta, não poupou críticas à mentalidade reacionária que, num “gesto caipira”, promovera a troca de uma obra de arte por uma “cruz mortuária”, surpreendentemente, num período de retomada da democracia, logo após o fim do Estado Novo.

Luís Martins, em sua crônica n’O Estado de S.Paulo, conta que Flávio de Carvalho considerou a transferência do Fauno um verdadeiro “atentado” à arte. O cronista criticava a “imposição do gosto privado de um administrador na orientação da ornamentação artística da cidade”. Fato que, segundo ele, poderia levar a “extremos inconcebíveis”. E encerrava argumentando que a transferência da escultura não seria um ato digno “de estadistas, de homens públicos, colocados, pela sua própria função, acima de suas inclinações pessoais e de suas convicções religiosas ou estéticas, por mais sinceras e fervorosas que possam ser.”

Apesar dos protestos, o Fauno permaneceu no parque, integrado à mata, onde parece estar à vontade.


Seção Técnica de Levantamentos e Pesquisa
Divisão de Preservação - DPH