Secretaria Municipal de Cultura
Inventário de Obras de Arte em Logradouros Públicos da Cidade de São Paulo
David, segundo rei dos hebreus (c.1010 - c.970 a.C.), reinou sobre a Palestina, liberando-a do domínio filisteu, e fez de Jerusalém a capital (c.1000 a.C.) de seu pequeno império. A imagem de David triunfante sobre o soldado filisteu Golias - episódio relatado no Primeiro Livro de Samuel, Capítulo 17 - inspirou grandes artistas. Michelangelo Buonarroti (Caprese, 1475 - Roma, 1564), mestre do Renascimento, transformou o jovem pastor franzino, porém astuto, em um gigante de mármore em pleno vigor físico e perfeição de formas, sustentando uma funda às costas, com a qual teria atirado pedras em Golias. Considerada uma das mais belas obras de todos os tempos, a estátua de David foi esculpida entre 1501 e 1504 e pertence ao Museu da Academia, de Florença.
Uma réplica em tamanho natural - 5 metros de altura - foi implantada no interior do Estádio Municipal do Pacaembu, atual "Paulo Machado de Carvalho", entre a arquibancada leste e a concha acústica. O catálogo-programa da inauguração do estádio, ocorrida no dia 27 de abril de 1940, apresentava a estátua como uma das atrações do novo espaço esportivo da cidade.
A obra, em argamassa armada, foi executada pelo Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, que, desde as primeiras décadas do século XX, dispunha de uma coleção de reproduções em gesso provenientes dos principais museus da Europa. A escolha de David entre vários modelos, certamente, se deveu às suas dimensões, compatíveis com a monumentalidade do estádio. Em estilo Art-Déco ou racionalista, o estádio somava-se a outras obras públicas, erguidas em São Paulo durante o Estado Novo. A figura atlética e saudável de David poderia servir de inspiração e incentivo aos esportistas e torcedores reunidos naquele "templo do esporte" e do "culto ao corpo".
A estátua de David fez história no Pacaembu e protagonizou episódios que permanecem na memória daqueles paulistanos que se habituaram a vê-lo ao lado da concha acústica. Por ocasião da comemoração dos 40 anos do estádio, em 1980, o jornal O Estado de S.Paulo publicou uma matéria contendo trechos de depoimento do Sr. José Isidoro, eletricista do estádio havia 32 anos. Segundo ele, na época em que a estátua de David ainda se encontrava no interior da praça de esportes, as autoridades municipais se preocupavam com sua nudez e mandavam cobri-lo com uma "tanguinha" "para não chocar as moças que participariam dos desfiles" de 7 de setembro.
O estádio foi reformado em 1969, para aumentar a sua capacidade de público. A concha acústica e o salão de festas foram demolidos. Em seu lugar, foi construído um lance suplementar de arquibancadas, popularmente conhecido por "tobogã". A estátua de David foi removida e reimplantada na praça Charles Miller, em frente aos portões principais do estádio.
Da praça Charles Miller, a estátua foi novamente removida para a rua Canuto Abreu, em frente aos arcos de entrada do CERET - Centro Educativo, Recreativo e Esportivo do Trabalhador -, no Tatuapé. A inauguração ocorreu no dia 1º de maio de 1974, como parte dos festejos pelo Dia do Trabalho.
Em 2002, argumentando que o David pertenceria ao acervo do estádio, o seu administrador providenciou a volta da estátua. Mandou uma equipe especializada ao Tatuapé para efetuar a remoção, mas o Diretor do CERET a impediu. O Departamento do Patrimônio Histórico não autorizou a transferência, entendendo que, nos cerca de 30 anos de permanência no bairro, os moradores estabeleceram vínculos afetivos com a obra, identificando-a como patrimônio local. A disputa entre o administrador do estádio e os moradores chegou à imprensa e se estendeu por alguns meses. Ao final, prevaleceu a vontade dos moradores do Tatuapé.
Fontes
Catálogo - Programa dos festejos inaugurais do Estádio Municipal de São Paulo. São Paulo, 27.4.1940.
DIÊGOLI, Leila Regina. A arquitetura oficial e o Estado Novo. Cidade. Revista do Departamento do Patrimônio Histórico - SMC. Vol.4, no 4. 1996. pp.46-53.
DURAN, Sérgio. Mudança da réplica da estátua de 'Davi' causa polêmica no Tatuapé. Folha de S.Paulo, 6.10.2002.
Extrato e resumo do Catálogo Geral da Galeria de Arte. In SEVERO, Ricardo. O Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Preâmbulo histórico. S/l, s/e, 1933.
Folha de S.Paulo, terça-feira, 16.4.1974. Pág. 12/Local. David sai do Pacaembu; vai para o CERET.
Gazeta do Tatuapé, 13 a 19.10.2002; 20 a 26.10.2002; 27.10 a 2.11.2002; 10 a 16.11.2002.
MAIA, Francisco Prestes. Os Melhoramentos de S. Paulo. São Paulo, PMSP, 1945. 2a ed.
O Estado de S.Paulo. Suplemento em Rotogravura, 1939 - 1941, no 141- 180. David. São Paulo, 1a e 2a quinzenas de 1940, no 156 (capa), págs. 6 e 11.
O Estado de S. Paulo, 21.1.1973, pp.9-11. São Paulo em pedra e bronze. Suplemento de Turismo.
O Estado de S.Paulo, 27.4.1980. Na "velha casa", o cuidadoso trabalho dos 60 funcionários.
Seção Técnica de Levantamento e Pesquisa
Divisão de Preservação
Departamento do Patrimônio Histórico - SMC
Dezembro de 2006