Secretaria Municipal de Cultura
As origens do Cemitério da Consolação
Luís Soares de Camargo
Cemitério da Consolação em 1898. (Coleção MCSP/DPH/SMC/PMSP) |
Apesar de inaugurado no dia 15 de agosto de 1858, podemos dizer que a história do cemitério da Consolação é mais antiga, remontando mesmo ao ano de 1829, época em que o vereador Joaquim Antonio Alves Alvim defendeu, pela primeira vez, a construção de um cemitério público na cidade.
Até então, a prática vigente preconizava que os corpos deveriam ser sepultados em solo sagrado, no interior das igrejas, pois entendia-se que a proximidade dos santos poderia auxiliar a entrada da alma no Paraíso.
Desde finais do século XVIII tal costume já estava sendo condenado pelos higienistas, que diziam ser este um hábito perigoso à saúde. A presença constante de epidemias na cidade, que resultava numa contínua manipulação dos restos mortais no interior das igrejas, produzia os temidos miasmas (mau cheiro), estes tidos como a grande causa das doenças no período pré-microbiano.
Tendo em vista o fato de envolver crenças religiosas arraigadas, os debates a respeito dos sepultamentos foram intensos, tendo perdurado por cerca de 30 anos desde aquela proposta do vereador Alvim. Nesse período, a idéia de se construir um cemitério público sofreria algumas alterações: a princípio ele deveria ser edificado ao lado da igreja da Consolação, e isso conforme opinião do engenheiro Carlos Rath e dos médicos Líbero Badaró e Cândido Gonçalves Gomide; posteriormente, ele seria deslocado para o bairro da Luz (em 1832) e para o bairro depois conhecido como Campos Elíseos (em 1854).
Em 1855, o mesmo Carlos Rath elabora um novo estudo e indica que o melhor local para a construção do cemitério público paulistano seria os altos da Consolação. Um amplo estudo precedeu esta decisão do engenheiro, que levou em conta a elevada altitude da região, a direção dos ventos dominantes, a qualidade do solo e a sua "grande distância" da cidade.
Parte das terras era de domínio público, nas margens da antiga Estrada dos Pinheiros, e parte pertencia a Marciano Pires de Oliveira, proprietário de uma grande chácara no local. Iniciadas as obras em 1855, já no ano seguinte a Câmara Municipal adquire parte da chácara de Marciano pelo valor de 200$000 (duzentos mil) Réis. Um outro terreno também foi doado por aquele proprietário.
A empreitada, porém, seguia morosa por conta da falta de verbas. Pensando nesse problema, a Marquesa de Santos doaria, em 1857, um total de 2 Contos de Réis (uma pequena fortuna para a época) para ser utilizada exclusivamente na construção da capela. E assim foi feito.
A partir dessa solução oferecida pela Marquesa, mais a necessidade de se abrir o cemitério por conta de uma virulenta epidemia de varíola que varreu a cidade, o cemitério da Consolação foi inaugurado no ano seguinte.
Posteriormente, a sua área foi aumentada. Em 1884, parte da chácara do Conselheiro Ramalho (nos limites com Higienópolis) foi incorporada e, em 1890, um grande lote da chácara de Joaquim Floriano Wanderley (na direção da av. Paulista) foi desapropriado pela Câmara Municipal ao custo de 3 Contos de Réis e também anexada.
O cemitério da Consolação foi o único existente na cidade até o ano de 1893, quando foi aberto o cemitério do Brás ou da "4ª Parada". Em 1897, seria inaugurado o cemitério do Araçá.
A partir da construção dessas duas outras necrópoles, o cemitério da Consolação – que antes atendia a todos os extratos sociais – inicia um processo de elitização consolidado nas décadas seguintes. Uma ala do cemitério, especialmente aquela voltada para a rua da Consolação, torna-se cada vez mais aristocrática: em 1871 o rico empresário Antonio José de Melo encomendou, na Europa, a confecção integral de um mausoléu depois remontado em São Paulo. De um lado o requinte e, de outro, mais especificamente na sua ala posterior, continuavam os enterros dos mais pobres (escravos, inclusive) em covas gratuitas.
Em 1901, época em que o vereador José Oswald Nogueira de Andrade (pai do escritor Oswald de Andrade) propugnou pela completa reforma dos muros e do pórtico de entrada argumentando que o cemitério da Consolação estava com um mau e feio aspecto, não coadunando com a moradia dos mortos numa cidade como São Paulo. No ano seguinte, tais obras foram aprovadas, sendo o projeto contratado com o arquiteto Ramos de Azevedo. Dois meses depois o mesmo ocorreria com a capela, também reconstruída a partir de um plano do mesmo arquiteto.
O resultado já podia ser visto em 1909, época em que o cemitério da Consolação "tornara-se a primeira necrópole de São Paulo, por todos admirada, principalmente pelos visitantes estrangeiros", conforme as palavras do mesmo vereador José Oswald. Ou seja, há 100 anos o cemitério da Consolação já era um "ponto turístico" importante na Capital.
Atualmente, toda essa história, bem como os registros mais antigos dos cemitérios municipais, podem ser encontrados no Arquivo Histórico Municipal.
SÃO PAULO. Cidade. Em Cartaz: guia da Secretaria Municipal de Cultura. n. 17, set. 2008. p. 74-75.
Texto revisto em 16.9.2010.