Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente

Terça-feira, 18 de Abril de 2017 | Horário: 09:39
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A Legalização da Caça e a Extinção das Espécies

Projeto de Lei surpreende ambientalistas ao ir contra a proteção da rica biodiversidade brasileira


Foto: Divulgação


Um dos maiores desafios para toda a humanidade neste princípio de século, sem dúvida, tem sido a necessidade da preservação da vida sob todas as nuances que ela apresenta. Cada ser vivo, seja animal ou vegetal, tem a sua função e importância para as condições de vida como um todo. E a isto se dá o nome de biodiversidade. É como se cada ser vivo fosse uma engrenagem numa imensa máquina e a perda de uma dessas engrenagens compromete o bom funcionamento de todo o mecanismo.

Temas como a manutenção de florestas, a perda da biodiversidade, a sustentabilidade, bem como o aquecimento global, fazem parte do cotidiano da sociedade brasileira. A tendência ao aumento dessas preocupações é evidenciada por várias pesquisas de opinião realizadas recentemente.

As ações da atividade humana ao longo dos tempos têm afetado dramaticamente a biodiversidade, com devastação de habitats que levaram à extinção de milhares de espécies. Portanto, cabe ao próprio homem a tomada de consciência para preservar a vida. A atitude é individual, mas o esforço é coletivo e envolve todos os segmentos da sociedade, inclusive os setores produtivos.

O Brasil hoje abriga a maior biodiversidade do planeta, com uma ampla variedade de biomas que reflete a enorme riqueza da sua flora e fauna. Esta abundante variedade de vida, que se traduz em mais de 20% do número total de espécies da Terra, coloca o Brasil no posto de principal nação entre os 17 países de maior biodiversidade. Por si só, estes dados já demonstram a dimensão da responsabilidade do País num planeta onde muitas nações já devastaram os seus biomas.

Estima-se que a crescente taxa de extinção das espécies esteja entre mil e 10 mil vezes maior que o normal (dependendo da espécie), demonstrando que a vida no planeta já não pode suportar tal pressão. O resultado já é palpável, como o aquecimento global e seus efeitos nefastos sobre o clima e a vida em geral. Os efeitos são imediatos, assim com urgentes são as ações e a tomada de consciência de todos, pois a extinção é para sempre.

Proteger a vida em toda a sua diversidade é uma bandeira que a Prefeitura de São Paulo leva adiante; porém, a responsabilidade ainda é de cada cidadão-consumidor que prefere os produtos ecologicamente corretos e adota atitudes ambientalmente saudáveis. Afinal, nós humanos fizemos um buraco enorme na natureza nos últimos 10 mil anos. Agora precisamos ter a habilidade, e talvez a obrigação moral, de consertar um pouco o estrago. A maior parte do que faremos, expandindo e protegendo áreas selvagens e as populações de espécies ameaçadas de extinção, ditará a nossa própria sobrevivência no Planeta.

O fato é que não é de hoje a falta de cuidados com nossos recursos naturais e com a flora e a fauna. No levantamento realizado pelo biólogo André Antunes, de 1904 a 1969 cerca de 23 milhões de animais silvestres (de cerca de 20 espécies em Rondônia, Acre, Roraima e Amazonas) foram mortos para suprir o consumo de couros e peles. Em pouco mais de 60 anos, os caçadores abateram na Amazônia 5,4 milhões de catetos (Pecari tajacu), 4,4 milhões de jacarés-açu (Melanosuchus niger), 804 mil jaguatiricas (Leopardus pardalis) e gatos-maracajá (Leopardus wiedii) e 183 mil onças-pintadas (Panthera onça).

No Brasil a caça retaliatória contribui para uma alta taxa de mortalidade anual das onças. Na Mata Atlântica, a população de onça-pintada foi reduzida em 80% nos últimos 15 anos. A população de onças-pardas no país teve um declínio de mais de 10% nos últimos 21 anos e a de onças-pintadas foi estimado em aproximadamente 30% nos últimos 27 anos.

Nos dias atuais ainda há inúmeras evidências que comprovam tal atividade, seja para a confecção de objetos e vestimentas, seja por puro prazer, na chamada “caça esportiva”. Uma das maiores constatações dessa prática é a redução significativa dos animais silvestres nas matas brasileiras.

A extinção local dos animais de grande porte, além de tudo, acarreta grandes alterações no ecossistema, já que eles não têm substitutos para as funções ecológicas. Esses animais desempenham, por exemplo, papel fundamental na dispersão de sementes, na fertilização do solo e na renovação da floresta. Temos aí o fenômeno das “florestas vazias”, eliminando o futuro da própria floresta.

Um retrocesso ao combate da caça ilegal no Brasil

É inacreditável que, apesar dos dados que comprovam a caça ilegal e os inúmeros problemas decorrentes dessa prática, ainda nos deparemos com atitudes que vão completamente contra qualquer política de defesa do meio ambiente e das espécies. É o caso do recente Projeto de Lei 6268/2016, de autoria do Deputado Federal Valdir Colatto, do PMDB de Santa Catarina, que não se restringe apenas à regulamentação e estabelecimento da Política Nacional de Fauna. Ele afronta a importância da proteção à fauna e seus interesses de uso.

Uma das justificativas é a necessidade da revisão da Lei de Proteção da Fauna (Lei Federal no 5797/1967), em vigor há 50 anos. “Toda lei pode e deve ser atualizada, mas esse projeto de lei abre sérios precedentes para o abate de animais ameaçados de extinção, lembrando que a caça ilegal pode ser uma das causas de mortalidade mais preocupantes para a conservação de espécies como a onça-pintada e a onça-parda, no país”, alerta o secretário do Verde e do Meio Ambiente Gilberto Natalini.

Ainda, mais do que incitar a caça no Brasil, o projeto de lei propõe procedimento para o abate cinegético, incrementando a indústria da caça esportiva e de armamentos.

O artigo 9º da presente PL permite que espécimes da fauna, provenientes do manejo em Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável, possam ser comercializados pela população, regulamentando o tráfico de animais silvestres que, obviamente, não ficaria limitado a estas Unidades de Conservação.

O Artigo 11 dá ao poder público “a promoção de ações para erradicar espécies exóticas consideradas nocivas à saúde publica, às atividades agropecuárias e correlatas” — não distinguindo espécies exóticas de nativas —, bem como o Artigo 20, que autoriza o abate de animais nocivos à agropecuária e à saúde pública, colocando novamente em risco espécies de mamíferos de grande porte e/ou topo de cadeia, como as onças.

O combate ao comércio ilegal da fauna silvestre gera centenas de milhares de animais apreendidos por ano. Só no estado de São Paulo, cerca de 30 mil animais são apreendidos, todos os anos, pela Polícia Militar Ambiental. Legalizar a retirada de milhares de animais da natureza é certamente um retrocesso.

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